sexta-feira, 2 de março de 2012

O sangue

E na infelicidade do poente, a faca ergue-se contra o poer, e quando cai, é noite. Já vai tarde, o assassino diz, mas na verdade ele não é o assassino nem pode falar. Quem diz é o morto, porque é dele a língua que perfura a carne do assado. É dele o cálice envenenado. O assassino apenas sorri com o seu afeto, em mera contemplação. Entretanto, não é vingança que está em seus olhos, mas não posso dizer que seja arrependimento, ou caridade tampouco. É mais profundo, insano e é doce como mel, revirando em suas tripas com a refeição soberba mal digerida. Ele se recusa a vomitá-la porém, mas o sangue... ele suja seus sapatos.

Escorrendo pegajoso pelas sombras, o assassino foge, tendo no bolso a faca... a maldita faca, e nas solas dos sapatos, o rubro o persegue como a guiar seus passos por cantos jamais antes visitados; à calada da noite ele retorna, como um zumbi, a contemplar os carros que chegam, e a viúva que em choque, não chora, mas não esconde a juventude que há em seu coração. Passa-lhe que talvez deva-lhe os pêsames, se pergunta se não seria zombar com o olhar estático e vazio, meio negro do morto. Mas ele está morto... está e nada pode mudar o fio da faca, agora cega, que lhe cortou o peito.

O assassino, porém, sabe que não deve. Está cansado e tem olheiras, mas a visão do morto não lhe pode ser privada. Quer vê-lo, quer zombar... quer vingança. E é nisso que ele cai, porque o riso da pose tragicômica é imediato. O morto morreu sem saber por que meio, só viu o olhar intragável do assassino, e no rosto, a máscara fúnebre cai. E já noite, e todos dormem na casa. Levanto-me e de súbito, o assassino está sobre mim. Meu grito ecoa na noite, e fim.

Um comentário:

  1. Sempre me surpreendendo, sempre se re-inventando.Adorei o ritmo frenético alternando com a cadência de cada descrição. Adorei...

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