domingo, 12 de junho de 2011

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Primavera em Paris

Eduardo estava no trabalho quando recebeu o e-mail. Um tanto estressado ele abriu sua caixa de entrada e buscou, dentre todos os anúncios que recebia mais os e-mails do trabalho, aquele que parecia o mais inofensivo. Era de Elisa. O telefone vibrou sobre a mesa e ele tratou logo de atender, mas depois de resolvidos os problemas, voltou-se novamente para a tela e começou a ler.

Conforme avançava em sua leitura sentia sua garganta arder. Que droga! Sentiu vontade de gritar e de chorar, como fora idiota! Fechou a janela por um momento e ao desktop surgiu como um calmante milagroso, embora as imagens de Elisa não deixassem de vir-lhe à mente. Ela era como um anjo mesmo que não fosse exatamente uma boa pessoa, conseguira fazer-lhe desistir de várias ideias idiotas e usava da sua aparência inocente para satisfazer-lhe os sentidos. Era uma mulher perfeita para ele e para qualquer outro homem como ele, mas Eduardo, homem, não notara isso. Quase sentiu Elisa dizendo-lhe isso por sobre os ombros, com aquele jeito desaforado que tinha. Sua secretária entrou em sua sala para confirmar a agenda para a tarde, mas ele não comentou nada, nem mesmo o almoço com seu futuro sogro e chefe. Sua mente estava há vários quilômetros dali, em Paris.

Elisa lhe sorria como no desktop, mas agora era real. Os dois estavam de frente para a Torre Eiffel, como um casal, mas ao contrário dos demais que os rodeavam, os dois não se beijavam. Os cabelos da garotinha (sua eterna garotinha) balançavam-se no brisa que banhava-os como naqueles filmes românticos, mas ele sequer a abraçara. Eduardo sentiu-se o mais carrasco dos homens ao privar-se do amor que Elisa tinha por ele. Antes da viagem ela lhe contara tudo enquanto jogavam uma partida de poker. Fora cômico vê-la controlando suas expressões faciais ao dizer-lhe que o amava. E ela ainda ganhara. E depois da dancinha da vitória, ela lhe pedira:
– Viaja comigo? Depois prometo que deixo você ganhar uma partida.

Oh como fora idiota. É claro que ele aceitara a viagem, mas não fora com o intuito que ela propunha. Aceitara porque era idiota perder para uma mulher num jogo masculino. Perdera a partida e a mulher. É, Eduardo era um idiota. Enquanto uma brisa leve invadia a janela austera do escritório, Eduardo pensou tê-la visto pelo reflexo, mas ao se virar deparou-se com Cristina. Não pôde deixar de comparar as duas. Exatos opostos. Cristina era malícia e luxúria, Elisa era maldade pura e cruel, mas era inocente. Não tinha ideia do que provocava com seus sorrisos e brincadeiras. Cristina era jovem, bonita, sexy e rica. Elisa era um tanto medíocre, mas sua simpatia compensava. Não, definitivamente Eduardo fora um idiota ao tentar compensar uma com a outra.

Cristina parou no centro do escritório e rodopiou fazendo seu vestido vermelho subir. – O que você acha? – perguntou entre sorrisos, mas Eduardo não respondeu porque sabia que ela não se interessava, era apenas outra convenção social perguntar se algo lhe agradava. Cristina atirou-se em seus braços e com volúpia beijou-lhe os lábios. Beijo que não foi correspondido por Eduardo, que atentou-se ao perfume que emanava dela. Era-lhe estranhamente familiar.

– Que perfume é esse? – perguntou franzindo o cenho. Cristina não notou a pontada de medo e interpretou como ciúmes. Sentiu-se deusa com o "ciúmes" do noivo.
– Ah, um que encontrei nas suas coisas. Gostou? – Eduardo, que era abraçado, esquivou-se de seus braços e passou a mão nos cabelos. Irritado? Não, nenhum pouco. O que ele sentia ultrapassava as barreiras do são. Ele se lembrara de onde conhecia aquele perfume de lavanda que Cristina usava. Certa vez numa viagem à Brasília, Eduardo entrou numa loja de perfumes enquanto Cristina divertia-se numa joalheria. A vendedora lhe atendeu amavelmente e, ao perguntar se era um perfume para a namorada, ele não se lembrara de Cristina, mas sim de Elisa. Comprara o perfume para ela anos antes e desde então, ela nunca mais usara outra essência, e todo mês recebia em seu apartamento outro frasco do perfume. Aquele que Cristina usara fora o que ele esquecera de mandar no mês anterior à viagem. – Amor? O que foi, não gostou do perfume?
– Não. – e delicadamente ele lhe guiou para a porta com um carinhoso sorriso nos lábios. – Preciso trabalhar, querida, senão não posso pagar pelas suas brincadeiras. – Ela tentou retrucar que ele não precisava mais trabalhar: ia se casar com a filha do chefe e dono da empresa. Tinha vida garantida. Não teve tempo. Felizmente.

Eduardo voltou para sua escrivaninha e reabriu a janela do e-mail. Lá Elisa lhe explicava tudo o que lhe acontecera, desde o começo. Era mais ou menos assim:

Olá querido amigo, espero que Cristina não tenha-lhe sugado a vida durante a noite, rs.

Bem, creio que você me conheça o bastante para ter desconfiado dos últimos meses e em especial, da viagem. Vou começar a lhe explicar do começo e peço que não tire suas conclusões antes de eu terminar, também peço que não me condene por nada pois bem sabe que não tenho mágoas de nada. Começou quando eu tinha 10 anos de idade, com uma leve hemorragia uterina. Mamãe pensou que eu me tornara moça, mas, não. Era o primeiro indício de que eu me tornaria infértil. Passaram-se anos e descobri, num exame de rotina - daqueles que você se recusa a fazer, superman - do que se tratava e como eu não cuidara quando era criança, estava infértil. Chorei, é claro, mas descobri que seria compensador olhar pelo lado bom: sexo sempre que quisesse, sem qualquer necessidade de tomar remédio.
Sei que você certamente vai se sentir ofendido por eu não ter-lhe contado o que descobrira e todo o blá-blá-blá de ego ferido que você tem. Mas preciso que entenda o que eu fiz. Não contei-lhe porque o amava. Não queria que soubesse que, ficando comigo e abrindo mão de Cristina, jamais teria herdeiros. Você é homem, sabe bem o que pensa sobre isso.

Continuando, há alguns meses tive outros sintomas estranhos. Foi aquela vez em que desmarquei contigo dizendo que mamãe estava mal. Estava em casa assistindo TV quando senti uma pontada na cabeça e em seguida, segundo me disseram, eu desmaiei por alguns minutos. Nosferatu estava no meu colo, dando patadinhas em meus seios (o gato é tarado, você sabe, rs) quando acordei. Logo em seguida liguei para você, já que não queria dirigir nem sentia confiança para fazê-lo. Fiquei em casa e dormi o resto do dia, só acordei quando Lilyth tentou me sufocar porque estava com fome. Alguns dias depois mamãe veio em casa e notou que eu havia emagrecido, perguntou o que eu comia e notei que quase não comera. Não sentia fome, só vontade de dormir. Ela cozinhou e me obrigou a comer e no outro dia me levou no médico - você sabe que ela é maníaca com essas coisas, então, né... -. Ele me furou toda e fiquei parecendo uma viciada em heroína, com a diferença que as picadas continuavam doendo.
Algum tempo depois ele me ligou e marcou uma consulta. Pediu que fosse acompanhada e pensei em ligar para você, mas decidi ir sozinha. Antes de me dizer o resultado dos exames ele disse que eu deveria fazer tudo que quisesse e, se possível, viajar a Paris. Paris é linda, ele me disse, você vai gostar. E então ele me deu a sentença de morte: leucemia. Eu tinha seis meses para fazer o que bem quisesse antes de começar o tratamento. E daí você conhece o resto.

Algo me diz que devo terminar esse e-mail dizendo: "Eu espero que você compreenda e me perdoe por tudo que eu fiz", mas eu não quero dizer isso. Eu estou pouco ligando para o que você vai pensar sobre mim depois que recebê-lo, eu só queria esclarecer o repentino sumiço e a história da viagem, que por sinal, foi a melhor da minha vida. Adorei tudo que passamos lá, embora não exatamente da forma como eu esperava. Não queria um amigo, queria um amante.

Ainda te amando, creio
Elisa.

Ps: Meu médico vai enviar esse e-mail se algo me acontecer.

Eduardo precisou ler o e-mail seguidas vezes para entender o que havia se passado. Elisa tinha essa mania de ser irônica consigo mesma quando tinha algo sério para dizer, e embora não dissesse claramente o que acontecera, Eduardo soube na hora. Sim, ele fora um imenso idiota, mas ao menos admitiu para si mesmo que a amava. No último minuto, é verdade, mas ao contrário de outros, ele ao menos fizera. Será que ela recebera a carta? Ele consolou-se acreditando que sim. Elisa sorriu e abraçou-lhe mesmo sabendo que ele nada sentiria. Estava feliz embora não devesse.

N/a: Inspirada na música de mesmo nome do Rammstein.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

A agulha de bordar

A jovem mãe estava sentada no quarto do bebê quando sentiu a bolsa estourar e as contrações começarem. Dizem que dói muito, mas ninguém lhe avisara que doía tanto assim; era (?!) como se ela tentasse passar um grosso fio de barbante por uma delicada agulha de bordar. Temeu que suas ancas se partissem e pusessem a criança em risco. Respire fundo, ela repetia tentando acalmar-se, respire que logo passa, mas a sensação nunca cessava. E quando Maria pensava no local onde deixara sua bolsa (celular, celular, celular!), o pequeno Felipe deu o ar de sua graça. O barbante havia desfiado bastante, diga-se, mas fio a fio ele passara pela agulha de bordar.

Maria olhou para aquele minúsculo ser que implorava seu carinho. Notou as formas todas pequenas e delicadas, os pêlos sutis em sua cabeça; o olhar ciumento e angelical que o jovem Felipe lhe dirigia era por si só o bastante, mas ele era todo um mimo só. Parece com o pai, pensou ela enquanto ajeitava-o numa manta. Maria perguntou-se se todo bebê nascia assim, com tanto sofrimento. Não. Sofrimento, não, que sua mãe (que Deus a tenha em seus braços!) lhe ensinou que na vida não existe sofrimento e ainda mais num nascimento. Felipe nascera apenas em uma hora imprópria. Ao pensar isso Maria perguntou-se se caso estivesse numa sala pálida e cercada de aparelhos brilhantes e engraçados seria diferente. Antônio, o pai, até tentara interná-la num dos hospitais da cidade grande mas a verdade era que Maria queria ficar em casa, não com aqueles doutores de caretas engraçadas e jalecos austeros.

Nããããããão! isso é coisa de gente boba, ela dissera, mulher da minha família nasce para parir filho e sempre foi assim, ela riu da cara abismada do outro, comigo não vai dar nada errado! Ela no entanto, como já dito, não esperava que a dor (que dor...?) fosse tão... intensa? Não, não doera quase nada em comparação com quando quebrara os braços pulando da goiabeira. Como descrever uma dor que só se sente por dois gigantescamente extensos, tortuosos, inesquecíveis, explêndidos e maravilhosos segundos? Antônio chamaria de breve, mas 'breve' não bastava para Maria. Breve parecia nome de doce, não de sensação.