sábado, 21 de maio de 2011

Pixies - Where is my mind?

A diferença

Por que a descoberta precisa necessariamente vir para o bem? Posso muito bem saber ser diferente e contentar-me com o medíocre, levando uma vida como qualquer outra. Vazia de esperança e cheia de tédio, porque tenho medo do que essa 'diferença' possa me trazer, mesmo sentindo o peso do fardo de humanidade sobre minhas costas. Podia tornar-me especial, reconhecido, mas e se eu não gostasse disso? Me seria vetado voltar às origens. Muitos artistas reclamam que a fama tem um preço alto (privacidade, segurança, exposição...) e não tenho certeza de que eu gostaria de pagá-lo para ser diferente e se reconhecido. É claro que eu gostaria de ser reconhecido, só não tenho certeza de que gostaria de ser como os que se dizem reconhecidos. Ou você acha que eu não tenho esse direito? Se sim, olhe para o vizinho.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Cobra

Sempre que me mostro minha língua bifurcada
Um lado feito de medo, o outro de paixão
Você, mortal, sussura devagar:
Perdão, perdão...

S. Blackmont

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Adeus

ão posso contigo compartilhar da minha tristeza. Não tenho o direito de sorriso teu ver apagado, mas não aguento! E quando vejo-o sorrindo, é como se dez mil anjos sorrissem também. É mágico. E mágico e me consola no vazio da minha silenciosa solidão. Passam as horas, passam os dias, passam as horas. Passa o meu momento, as minhas lembranças, até eu mesmo. Mas, não tu. És como o lembrete de tudo que passei e memória viva do que sobrevivi. Tu és também o vestígio do mal que caminha ao meu lado. Memória suja e divina. De medo e amor, tristeza e carinho. Ternura infindável.
Ao senti-lo ao meu lado, percebo nossa evidente diferença. Tu és puro, casto. Meu corpo é ferida profunda e amaldiçoada, pútrida. Fétida. Não sou digno da tua companhia, sequer da tua lembrança. Sou como as sombras às quais a luz vence facilmente, mas que nem por isso é de todo esquecida; tu me lembras. Adeus.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

O João

Vinha na rua em minha direção o tal João. Tinha os olhos saltados e estava tão pálido que parecia mais uma folha de papel que um homem. Olhei pra ele, pisquei duas vezes pra poder ter certeza de que era ele mesmo, mas era. E tinha nas mãos um pequeno embrulho, numa embalagem malfeita de papel de seda. Quando nos encontramos, notei em seus olhos uma sombra e se eu não tivesse parado e falado com ele, tinha passado direto. Perguntei: – Que foi, rapaz? Você ta com uma cara péssima.
– Hã? Ah, é que a janta não caiu bem.
– Aham, sei. Mas então, esse pacote é de quê? – Ele pareceu incomodado com a pergunta e notei que se controlou para não torcer o nariz.
– Nada não, quanto menas gente souber é melhor. Por favor, não conta pra Jô que ocê me viu por aqui, não quero dar trabalho pra ela.
– Não, tudo bem.
– Ok, brigado por não contar. E agora dê licença que preciso ir.

Ele fez um aceno leve com a cabeça e seguiu a diante, curvado sobre o pacote que levava com cuidado entre suas mãos. Fiquei parado, abanando a cabeça e pensando no que levaria o João a ficar tão estranho. Decerto devia ser alguma coisa muito estranha, que o João não era dessas coisas. O João era homem mesmo, de beber cachaça pura e de único gole. E agora assim, do nada, aparecer com aquele pacote e todo estranho, com medo de alguma coisa... Minha curiosidade foi ficando insuportável e decidi perguntar de novo e me virei para ir atrás dele, e como a rua era comprida, ele não devia estar muito longe. Quando me virei, estava sozinho. – João?
Nada.
– Ô João, a gente não ta brincando de pique esconde. Você é um véi e não tem idade pra isso.
Silêncio.
– Diabo de homem que some do nada. Devo ter sonhado que tinha visto ele. – Resmungava enquanto me virava pra voltar ao meu caminho. Estava tarde e eu precisava voltar pra casa, senão a mulher ia reclamar. Segui meu caminho evitando pensar no João, que decerto havia sido um pedacinho da solidão criando vida. Sabe, quando a gente anda por esse mundo todo de noite, às vezes a solidão cria forma pra poder acompanhar a gente; e de tão sozinhos que ficamos, acabamos ganhando uma companhia. Devia ser isso.

Mas não era...

Sonêto ao Anjo

Por tua causa o meu jardim fechou-se
às mulheres que vinham buscar lírios,
quando o poente côr-de-rosa e doce
punha pavões nos capitéis assírios.

Teu beijo como um pássaro me trouxe
o mais azul de todos os delírios.
Por tua causa o meu jardim fechou-se
às mulheres que vinham buscar lírios.

Só tu agora colhes azaléa
e os cintilantes cachos de azuréa,
mágica flor que em meu jardim nasceu.

Só tu verás os lírios côr da aurora.
Meu pavão dorme comigo agora
E o eu jardim dourado agora é teu.

Sosígenes Costa

O tempo

E eu que me pergunto
Se depois de ser, talvez o corpo
Poderia brincar de ser o eu
Só por um momento.

E eu que me pergunto
Se depois do dia, talvez o ontem
Viria o anoitecer
Quando ele terminaria.

E eu que me pergunto
Se depois do beijo, talvez o sonho
Conheceria o amor
O quanto ele duraria.
S. Blackmont

segunda-feira, 9 de maio de 2011

A jovem descobridora

A garota lia Rilke, cartas a um jovem poeta; estava ainda na primeira carta quando parou a leitura e, olhando para o horizonte cimentado, perguntou-se: de que eu gosto?
Bem, eu gosto de sonhar, de água do mar e de algodão doce, foi o que ela se respondeu. Mas, não... não era isso que ela se perguntava – ao menos, não era o que ela queria saber. A jovem, embora jovem, tinha já feita uma vida toda de sensações descobertas. Sabia que sabia disso, só não sabia como fazer para compartilhar seu saber. Então ela havia comprado aquele livro, e agora refletia sobre o que sabia até ali. – De quê eu gosto, meu Deus?
Novamente, ela sabia! A resposta parecia brincar em seus lábios, quase escapulindo deles e saltando para o mundo, mas então, ela parecia zombar da inocência da jovem descobridora e pulava goela abaixo. A jovem quase podia ouvir seu sorriso debochado ecoando por seus braços como um leve formigamento, que terminava nas pontas dos dedos e dava muita vontade de escrever. Mas, escrever o quê? Ela não sabia - ainda! -, apesar de já saber dizer a sensação da palavra. Ela ainda era jovem, apesar de descobridora e descobrimento.
– Joana, vem jantar!
– Já vou, mamãe!