sexta-feira, 13 de maio de 2011

O João

Vinha na rua em minha direção o tal João. Tinha os olhos saltados e estava tão pálido que parecia mais uma folha de papel que um homem. Olhei pra ele, pisquei duas vezes pra poder ter certeza de que era ele mesmo, mas era. E tinha nas mãos um pequeno embrulho, numa embalagem malfeita de papel de seda. Quando nos encontramos, notei em seus olhos uma sombra e se eu não tivesse parado e falado com ele, tinha passado direto. Perguntei: – Que foi, rapaz? Você ta com uma cara péssima.
– Hã? Ah, é que a janta não caiu bem.
– Aham, sei. Mas então, esse pacote é de quê? – Ele pareceu incomodado com a pergunta e notei que se controlou para não torcer o nariz.
– Nada não, quanto menas gente souber é melhor. Por favor, não conta pra Jô que ocê me viu por aqui, não quero dar trabalho pra ela.
– Não, tudo bem.
– Ok, brigado por não contar. E agora dê licença que preciso ir.

Ele fez um aceno leve com a cabeça e seguiu a diante, curvado sobre o pacote que levava com cuidado entre suas mãos. Fiquei parado, abanando a cabeça e pensando no que levaria o João a ficar tão estranho. Decerto devia ser alguma coisa muito estranha, que o João não era dessas coisas. O João era homem mesmo, de beber cachaça pura e de único gole. E agora assim, do nada, aparecer com aquele pacote e todo estranho, com medo de alguma coisa... Minha curiosidade foi ficando insuportável e decidi perguntar de novo e me virei para ir atrás dele, e como a rua era comprida, ele não devia estar muito longe. Quando me virei, estava sozinho. – João?
Nada.
– Ô João, a gente não ta brincando de pique esconde. Você é um véi e não tem idade pra isso.
Silêncio.
– Diabo de homem que some do nada. Devo ter sonhado que tinha visto ele. – Resmungava enquanto me virava pra voltar ao meu caminho. Estava tarde e eu precisava voltar pra casa, senão a mulher ia reclamar. Segui meu caminho evitando pensar no João, que decerto havia sido um pedacinho da solidão criando vida. Sabe, quando a gente anda por esse mundo todo de noite, às vezes a solidão cria forma pra poder acompanhar a gente; e de tão sozinhos que ficamos, acabamos ganhando uma companhia. Devia ser isso.

Mas não era...

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