sábado, 12 de novembro de 2011

Carta de um velho marinheiro II

Ah meu caro... quisera eu saber que toda beleza é passageira e toda flor murcha quando ainda era tempo de retraçar o futuro, então. Tu te lembras do doce ramo de papoulas que a mim me apaixonou de todo n'alma? Casamo-nos e de todos fomos felizes até quando o corpo permite. Fomos até o ponto em que se deseja o outro tão profundamente que dele, sem necessidade de palavras, às vezes sequer de olhares, sabe-se de único gole toda a sua essência. Ainda assim fomos felizes, quando eu a despia ao Meio das suas sêdas e usavamo-nos até que o coração pedisse e o corpo implorasse por descanço. Ainda assim éramos felizes.

Não mais, como outrora, me arrependo de tê-la tomado para mim, mas sim, de não tê-la deixado livre, porque quando se toca nas asas da aleluia ela rapidamente delas se livra para seguir o seu caminho. E como é com elas, foi conosco.

Nosso amor era tão insandecido e tão forte que na nossa união despedaçamo-nos as asas. Podamos também os pés com nossos ciúmes, para que um para sempre sustentasse o outro. Assim, não seguimos nosso caminho. Essa vida era apenas uma brincadeira de colegial para matar a nossa ociosidade do espírito. Uma brincadeira insana que machucava e corroía a nossa humanidade e compaixão. Duvidava-se de tudo: do Leste ao Oeste queríamos sentir a presença um do outro, sentir o seu cheiro e o calor que emanava de seu corpo e de nenhum outro.

Não que eu me arrependa, como outrora, de ter-me casado. O casamento é maravilhoso! É a perfeita comunhão entre dois seres que se amam, como julguei que éramos. Casamo-nos por vontade e livre gosto, tanto para ela quanto para mim. Amávamo-nos. E apesar do verbo preterido, não deixei de amá-la. Dedico-lhe meus suspiros e meus versos como desde aquele baile, e ela sabe que sou todo teu.

Ela quem não mais me pertence.

Amei-a tanto e dela busquei tanta alma, emoção e sentido, que dando-os aos montes aos meus versos, dela não restou para mim. Nem o seu cheiro de menina, nem o seu coração rosado. Até mesmo as dobrinhas, antes tão odiadas por sua natureza malcriada e egoísta, de repente desapareceram!

Nem os seus sorrisos e rubores, nem o seu perfume violáceo, ou, se demais, a sua essência humana.

Amei-a tanto que dela partilhei incondicionalmente com todos, que dela, nada me resta. Até uma última lembrança me é vedada.

Carta de um velho marinheiro I

Ah meu caro... apaixonei-me.

Pelas dobrinhas que se formam em sua delgada cinturita quando ela se dobra (ela as odeia, porque são o que são e não se submetem nem a ela nem às suas vontades); apaixonei-me pelo seu cabelo crespo e o busto arfante oculto pelo espartilho royal, quando ela à jenela se põe após a dança me encanta como também conquista-me o seu leve sotaque do sul. Os erres marcados e os sussurros que lhe encravam n'alma quando nela os olhares fixam; rubra ela se torna, e os seus lábios despejando sentenças inócuas de um velho marinheiro, tornam-se um coração que palpita e treme sob o seu negro olhar.

Apaixonei-me pela tua maldade inocente, que brinca e estreita a cintura um pouco mais para que eu a envolva... E o seu cheiro de menina travessa que transita numa floresta ne corvos e cria uma vereda só para mim entre os orientais e os sândalos da noite.

A sua delicada cinturita, muito bem oculta pela sêda escarlate que a envolve do Leste ao Oeste, é justificada e acentuada a cada dia após aquele. Ela é a única papoula de todos os bailes, porque outra sequer se atreve a usupar-lhe o veludo das pétalas nem a vida das suas flores. Ela poderia ser uma Rosa que mesmo envolta em espinhos, atrai mortalmente os amantes ao seu leito e lá os mata, mas não, ela é a papoula d'onde tiro o ópio que me consome o medo e a vergonha para então fitar-lhe os lábios e os seios.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Ruas



Pelas ruas caminhava,
descrevendo em linhas tortas
todo o meu caminho.

Sou do tempo do Brasil Colônia.
Sou de quando a côrte ali havia.
Quando nos peitoris das janelas
Sedas carmins e brocados via.

Hoje as ruas estão mórbidas,
Perderam toda a sua alegria.
Hoje as ruas estão mortas,
Vestiram-se todas de cinza.



S. Blackmont




Inspirado na crônica 'As Ruas' de João do Rio.