sábado, 30 de abril de 2011

sexta-feira, 29 de abril de 2011

segunda-feira, 25 de abril de 2011

A verdadeira personagem

Ella era uma jovem escritora, com poucos anos de mercado e, que droga, ela não conseguia escrever nada que agradasse a si mesma tanto quanto seus romances pareciam agradar a seus leitores. Passava dias diante de uma ideia, mas sem qualquer conhecimento mínimo de realidade para transcrever em palavras o que sentia; porém, assim que via um romance de seção da tarde, sua mente fervilhava de ideias tão açucadas quanto o filme, e assim que se voltava para a máquina de escrever, no papel brotavam lindas histórias. Eram todas jovens mulheres, todas malsucedidas profissionalmente e infelizes em seus respectivos empregos. Todas feministas, independentes. Todas Vera. Não tinha parentes mulheres que se encaixavam naquele perfil, mas tinha uma prima distante que se chamava Vera e, ao contrário de suas heroínas, era absolutamente dependente de outras pessoas, fosse para o que fosse. Era indecisa quanto à roupa a ser vestida, a comida para o jantar, a música a tocar... tudo.

Suas Veras eram todas mulheres altas e magras, embora ela mesma não fosse um exemplo de magreza - o público gosta, Ella, não faça personagens esteriotipados!, dizia seu editor -, em geral morenas com lindos olhos verdes e deveras atraentes, embora o senso feminista impedisse qualquer flerte com elas.

Certo dia ela se sentou diante da máquina de escrever e insitiu na ideia de inovar. Estava cansada de suas Veras morenas e bonitas, queria alguém autêntico, que fizesse a diferença não só de seus livros, mas sua própria. E, depois de boa meia hora catando milho, começou a contar uma história em terceira pessoa sobre si mesma. Era incrível como o ritmo de suas palavras fluía de sua cabeça, e assim, ela descobriu que sua melhor personagem era aquela que ninguém conhecia; imprevisível por natureza, cheia de defeitos e celulite e, ainda assim, inspirada naquilo que fazia. Sua protagonista, que já não era mais tão jovem quanto Vera, mas tão simpática quanto, era uma mulher da faixa dos 40 anos de idade, com leves problemas de saúde e um vício incindioso por cigarros de canela. Não, cigarros, não. Ella apagou o parágrafo que dizia sobre o vício da protagonista por cigarros, os abominava desde tenra idade. Encostou-se sobre a mesa apoiada no cotovelo e se pôs a pensar: o que gosta uma mulher de quarenta anos?

Soa irônico, mas era verdade: a própria Ella se encaminhava aos quarenta. Então, pensou, de que gosto eu? Parou por longos minutos numa reflexão mental admirável, sem saber o que responder a si mesma. – Deus, de que eu gosto? – por fim, ela cansou-se de pensar e deu-se por vencida, não tinha direito nem capacidade para escrever uma história. Havia viajado longas distâncias, atravessados desertos de sal e de areia em busca de emoções e experiências sobre as quais pudesse escrever, mas nada disso a marcara. Era só o seu emprego, e por mais divertido que um emprego possa ser, é sempre um emprego. Ergueu a cabeça para o teto sujo de mofo de seu apartamento no subúrbio. – DROGA, MANOEL! – uma gota caiu bem no meio de sua testa. Manoel era o vizinho de cima, simpático senhor de terceira idade.

Silêncio e solidão

Vivo sem propósito, vejo as pessoas correndo atrás de aceitação, de uma turma. Me pergunto: será que sou um extra-humanóide? Vivo tão contente da minha solidão, tão exultante pela falta de amigos que, não sei; as pessoas dizem que isso não é saudável, mas assim que vejo todas as brigas e complicações que um relacionamento, seja ele qual for trás, me sinto libertada daquele elo que circula todos os problemas alheios. Não tenho grandes necessidades emocionais ou físicas, preciso apenas de um ou outro sonho, e uma ou duas noites de sono durante a semana.

O resto do tempo passo olhando para o nada, ou olhando as outras pessoas e me perguntando o que se passa em suas mentes para que elas desejem relacionamentos. Não vejo vantagem alguma em ser rodeado de colegas e companheiros, que, invariavelmente, nada irão fazer caso eu sinta alguma necessidade. Talvez um vazio 'a vida é assim' e um tapinha nas costas, mas não preciso disso. Vivo do silêncio e da solidão, tão somente, sem medo de magoar este ou aquele adiante; só me pergunto quem são eles. Ou eu?

O Andrógeno

Sua face é o corpo
de uma dúbia pomba:
uma asa de luz
e outra de sombra.

Seus olhos – balança
ainda oscilante,
entre o que o homem pese
e o que Deus mande.

Vivo como em sonho,
antes de nascido,
quando a vida e a morte
estavam consigo.

Pois seu corpo de anjo
impuro e casto.
leva a mão da glória
e a do pecado.

Une o Céu e o Inferno,
e Deus e o Demônio:
entre Adão e Eva
busca seu nome.

Em certa hora horrível
enegrece e pensa
na razão do mundo
da ambivalência.

Espelhos artrozes
refletem seu corpo.
Só êle pergunta
se está vivo ou morto.

Autoria desconhecida,
suspeito que Cecília Meireles.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Leonardo



Ela sentou-se ao computador, meio afobada, meio temerosa. Havia algum tempo que lia alguns contos eróticos na Internet e agora estava "inspirada para tentar". Abriu um novo documento do Word em branco e suspirou, sem saber como começar sua história. Resolveu deixar para depois e escolheu um dos tantos contos favoritados para ler, talvez assim ela conseguisse escrever.

Leu o conto todo, prestando atenção na forma como a autora descrevia suas experiências. Quase sem notar, a jovem Clarissa começou a se imaginar dentro do conto, acompanhando a autora, viajando em suas palavras. Abaixou a janela do computador e repreendeu aquele desejo imenso de se tocar imaginando-se na cena do conto até não poder mais. Esperou o tremor nas pernas passar um pouco e foi fechar sua porta e saber o que irmão e mãe faziam. Talvez não fosse sua hora ainda.

Clarissa era uma garota de recém-completados 19 anos, sem qualquer experiência sexual além de uns amassos na formatura Até dois meses atrás, quando começara a ler experiências alheias em sites especializados para o público adulto. A primeira vez em que se pegara lendo - e além, gostando! - um conto erótico suas bochechas arderam como brasa, mas ela seguira até o fim do conto, com receio, mas seguira.
Suas primeiras leituras foram como visitante, até que algum tempo depois ela se registrara no site e passara a comentar os que mais gostava. Porém, uma coisa a intrigava: será que todos os textos eram verídicos? Será que cada experiência relatada realmente acontecera? E as dúvidas a seguiram perturbando até que recebeu um e-mail de um outro leitor do site.

Conversaram por um tempo e se descobriram morando na mesma cidade - sem se conhecerem, porém -, não demorou para o dito cujo querer conhecê-la. Clarissa, por sua vez, receava que ele pudesse comprometê-la uma vez sabendo sua verdadeira identidade, e após muita insistência, acabou aceitando seu convite. Marcaram de se encontrar num restaurante perto do apartamento dele de tardinha dali há dois dias, sem que ninguém soubesse, claro. A jovem sentira um aperto no peito ao vê-lo, receosa de que ele fosse um maníaco sexual, mas o rapaz - agora, devidamente apresentando, Leonardo - se mostrou até um tanto tímido, passando-lhe segurança.
Papo vai, papo vem, os dois começaram a falar de sexo. Leonardo contou como fora sua primeira vez ainda na escola, entre outras aventuras. Até que perguntou à outra:

– E você? Como foi sua primeira vez? – Clarissa ficou tensa e muda, com vergonha de admitir sua virgindade e até tentou mudar de assunto comentando sobre o tempo, mas os olhos castanhos e fixos do rapaz a fizeram admitir em voz baixa:
– Sou virgem ainda. – Clarissa esperava ser motivo de chacota do rapaz, mas só viu um riso sarcástico. Foi quando ela se deu conta do quão idiota se sentia perante ele e admitindo sua virgindade para um desconhecido. Dizendo algumas coisas sem sentido e se desculpando, saiu do restaurante. Leonardo estava realmente surpreso por aquela reação e até chegou a levantar-se para ir atrás de Clarissa mas ela não lhe deu tempo. Pagou a conta e foi para seu apartamento sem comentar o ocorrido com nenhum dos seus conhecidos que passavam na rua.



* * *


Lá fora estava frio e na ansiedade de de sair de casa, a morena esquecera seu casaco em cima da cama. Dito e feito: mal ela atravessou a rua, começou a chover. O vestidinho verde que escondia seu corpo logo ficou encharcado de água e a maquiagem que sua mãe havia lhe ensinado se desfez tão rápido quanto a chuva começara. Ouviu um carro buzinar ao seu lado e já se virava para xingar o motorista de tarado quando notou que era Leonardo com um olhar preocupado e dizendo coisas sobre ela pegar um resfriado. Ela já ía retrucar quando um raio caiu perto dalí e a fez se desequilibrar e cair de bunda numa poça de água, fazendo os pedetres e Leo rirem, e suas bochechas, corarem.

Leonardo saiu do carro e ajudou-a a se levantar, abriu a porta e fez sinal para ela entrar no carro. Relutante, porém sem alternativas uma vez que perdera junto com sua dignidade, um dos saltos, Clarissa entrou. – Que fique bem claro que só entrei aqui por falta de opções. – disse quando o rapaz entrou no carro. Leo só sorria para a outra. Manobrou o carro e com um 'miado' entrou na pista contrária. – Hei! Para onde estamos indo?! Minha casa fica pra lá!
– A chuva só vai piorar hoje, e se eu for para lá, é possível que não consiga voltar – ele olhou-a nos olhos –, então, nós vamos para o meu apartamento.

Clarissa ficou em silêncio todo o caminho, se esforçando para memorizar cara rua pela qual passavam a fim de que, caso acontecesse algo, ela pudesse escapar e depois denunciá-lo. No fim, após cerca vinte minutos em um trânsito quase parado pela chuva, chegaram a um prédio elegante. Ela de repente se sentiu uma caipira por ter imaginado sua casa como um antro de perversão onde Leonardo levava suas vítimas.

Ele entrou na garagem e estacionou o carro. Parou por um instante, olhando para Clarissa, esta prendia a respiração. – Você vai morrer assim, Clari. – ela já ia perguntar como ele descobrira seu apelido, mas então lembrou-se de que usara-o como nickname diversas vezes. Leonardo desceu do carro e abriu a porta para a morena, que corou um pouco com o gesto. Leonardo então a levou para o elevador e depois de algum tempo os dois estavam em seu apartamento. Ele não mentira ao dizer que era muito bem sucedido, pois nem o apartamento espaçoso nem a mobília sofisticada o permitiam. Clarissa sentiu-se meio deslocada ali, com seu vestidinho verde preferido e cabelo e maquiagem desfeitos. Notando seu desconforto, o rapaz logo procurou levá-la ao quarto de hóspedes dizendo para que se banhasse enquanto ele procuraria algo confortável para ela.
Voltou pouco tempo depois com um moletom cinza de algodão e ficou esperando que ela terminasse o banho. Clarissa, por sua vez, quis demorar o máximo possível, querendo uma desculpa para ir embora e sem encontrá-la. Foi só quando Leonardo bateu na porta perguntando se estava tudo bem que ela notou o quão infantil estava sendo e terminou seu banho de uma vez. Quando ela saiu, ele a esperava sentado na cama com a roupa seca ao seu lado, também sorria para ela. – Achei que você tinha tentado se matar ou algo assim.

– Ah, desculpa, é que... – e ela sentiu-se corada pela enézima vez naquele dia. Fechou os braços em torno de si sem palavras para expor sua vergonha. Leonardo riu e pegou o monte de roupas para entregá-lo à garota. Por um momento seus olhares se cruzaram, mas ela logo abaixou sua cabeça agradecendo-o.
– Ah, achoque seria legal você ligar para casa e avisar que não via poder voltar hoje, por causa da chuva. – e saiu. Quando ela ouviu o clic da porta se fechando, correu para o telefone agradecendo à ele por tê-la avisado. Discou o número da casa boas quatro vezes antes de acertar, seus dedos sempre se atropelavam.

O telefone chamou um bom tempo e quando ela já ia desistir, seu irmão atendeu: – Alô.
– Oi, é a Clari.
– A mãe quer te matar, aham.
– É que...
– E ela me ofereceu chocolate se eu te encontrasse.
– Ah, que seja. Liguei só pra avisar que não volto para casa hoje, por causa da chuva, e... – ela ouviu um clic na linha, interrompendo o que dizia.
– Clarissa Fernandes! Onde a senhorita está? São mais de 11 horas da noite! – a voz aguda da mãe era inconfundível mesmo com a chuva ao fundo.
– Te amo também, mãe. – e desligou.

Quando ela encostou o telefone na base e levantou a cabeça para secar os cabelos, vislumbrou pela janela o imenso volume da chuva, e que Leonardo acertara novamente ao dizer que seria arriscado ir levá-la até sua casa; não só pela chuva, mas também haveria a necessidade de uma explicação sobre onde haviam se conhecido e tudo mais. E ela era uma péssima mentirosa. Vestiu a roupa que o outro lhe entregara e prendeu o cabelo com um elástico que trouxera na bolsa. Respirou fundo algumas vezes para se acalmar e foi em direção à porta, era hora de fazer descobertas.


* * *


Clarissa olhou para o texto em seu monitor, ele estava enorme e riquíssimo em detalhes sobre aquela noite. Sentiu-se uma vadia por contar aquilo à alguém, e como não tinha amigas tão chegadas, resolvera que contar anonimamente era o melhor a se fazer. Ouviu uma batida na porta era sua mãe dizendo:
– Clari, eu e Mario [sic] vamos ao dentista, então já sabe, não atende à porta e se sair, tranca a casa direitinho. – era incrível como a mãe a tratava como criança.
– Sim, mãe, talvez mais tarde, depois que eu terminar o meu trabalho, eu vá dar uma caminhada por ai.
– Aham. Bom, vamos indo, se cuida.

Em seguida ouviu o clic da porta de casa, que por vezes a denunciara nos últimos tempos, e era hora de voltar para o seu relato.



* * *


No apartamento todo tocava uma música instrumental baixa e a luz também estava baixa. Clarissa foi para a sala, na qual Leo se encontrava lendo uma revista sobre carros, sentou-se diante dele.
– Boa noite, Srtª. Estressadinha.
– O quê?- Você ouviu minha conversa?!
– Na verdade, sim, por que ia pedir para levarem suas roupas para a lavanderia o prédio, mas você vai me perdoar. – ele tinha tom jocoso, de quem procura um desafio onde sabe que não haverá; ela se mantinha calada, uma vez que ele estava em sua casa e ela sequer gostava dali. Cruzou as pernas e os braços e ficou olhando para ele, criando um clima pesado no ambiente. Ele a olhava por sobre a revista às vezes, com um meio sorriso nos lábios.

Leonardo era jovem, embora mais velho que ela, tinha 23 anos e trabalhava no ramo da internet e computadores. Tinha o vigor da adolescência num corpo maduro, e já tivera diversas amantes, mas nunca se sentira assim - nem acreditava que um dia se sentiria - em relação à uma mulher. Sim, porque por mais nova que Clarissa fosse, não era mais uma garota com seus 1,60 metro e corpo quase sem curvas.
Ela podia e era, de fato, sem sal quando comparada às outras mulheres que Leonardo conhecia, mas tinha seu charme inocente por trás do cabelo sem corte e das roupas comportadas que usava. Provavelmente, sequer namorou, pensou ele, voltando-se para sua revista. Se ela pudesse respondê-lo, diria que sim, que já tivera um namorado em todos os seus 19 anos de vida, mas ela não podia, então continuou apenas olhando para o outro enquanto ele lia sua revista.

Enquanto o fitava, Clarissa notou que ele estava sem camisa e viu o abdômen definido. Ele era como um daqueles modelos de revista, exatamente como ele se descrevia por e-mail. Isso a lembrou de suas dúvidas a respeito da veracidade dos contos lá inscritos, e quase sem notar, sorriu.
Notando o sorriso travesso que ela tinha, Leonardo abaixou os olhos da revista para a garota, que quase se afogava em tanto tecido tamanha diferença entre os dois corpos. – Perdi a piada?
– Não, é só que... Sei lá, nunca me imaginei nessa situação antes, sendo franca.
– Como assim? Com um 'moreno, bonito e sensual' como eu?
– OK, humildade passou longe, mas sim. – e Leo voltou para sua revista, ignorando as ironias da outra, e Clarissa, para suas observações. Já passava da meia-noite, mas ela não tinha sono - ou não queria ter? - com medo de que ele pudesse tentar forçá-la à algo. Tentou manter-se acordada, mas pouco depois da uma da manhã ela dormiu, olhando-o.

Acordou tempos depois quando Leo a carregava para o quarto. Clarissa notou que ele tinha um cheiro maravilhoso, de homem, não como os que seu pai ou tios usavam, era diferente. Sem notar, ela continuou 'dormindo' enquanto sentia-o cuidadoso para não acordá-la. Leonardo a levou para o quarto e quando a deixou obre a cama, sentiu que ela acordara, ouviu um sorriso sapeca e olhou para ela. Seus enormes olhos avermelhados de sono pareceram brilhar. – Vem cá.
– Olha que eu posso ser mau...
– Não me importo com isso. – e meio hesitante, o beijou.

Foi um beijo desajeitado pela posição, mas foi correspondido por ambos. Só se separaram quando era realmente necessário respirar. Ela parecia linda com o cabelo úmido e olhos sonolentos. Leonardo tirou a camisa do moletom e olhou para seus seios, que não eram grandes, mas cabiam perfeitamente em suas mãos. Notou-a corar e sorriu beijando suas bochechas. Tomou-a num abraço e terminou de se livrar da própria roupa – Tem certeza disso? Não quero te forçar a nada – ela só assentiu e se entregou àquele que seria seu primeiro amor de verdade.
Aos poucos a vergonha cedeu lugar ao desejo e às sensações que Clarissa descobria. Foi um momento rápido, e entre beijos ela sequer notou a ruptura de seu hímen. Ela incrível como ele sabia onde tocar para despertá-la, e nisso ela teve vários orgasmos antes de, de fato, perder sua virgindade.

Na manhã seguinte Clari acordou sorridente com Leonardo a observando. Ainda chovia.



* * *


Clarissa suspirou, a primeira de muitas histórias estava enfim pronta. Levantou-se e saiu do quarto para beber água, no caminho olhou para o relógio e pensou que sua mãe devia ter acabado de chegar ao dentista. Certamente daria tempo para uma 'caminhada' antes de alguém chegar em casa. Voltou para seu quarto e e salvou o documento para depois publicá-lo no site como seu primeiro conto, em seguida pegou o celular e discou um número rápido. O telefone foi atendido na primeira chamada.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Boneca de Porcelana

Os olhos vazios e opacos, a expressão desprovida de sentimentos. A cópia exata de uma boneca de porcelana - de uma beleza inumana e inatingível, delicada e absolutamente quebrável -.
Ela permanecia em sua embalagem de forma que a poeira e, até mesmo o oxigênio não pudessem tocá-la. Causando inveja e admiração por onde fosse levada, arrancando suspiros exasperados dos homens que tentavam conquistá-la - como um prêmio -.
Ela permanecia impecavelmente bem trajada graças a Alice, já que ela mesma descuidara-se de seus cuidados pessoais, entregando-se cegamente ao leito. Recoberta por um vestido elegante, vermelho como sangue, espelhando-se nos lábios carnudos; enquanto o braço direito pendia debilmente para fora da cama, dando-lhe um ar ainda mais despreocupado.

Ouviram-se sussurros no andar inferior, sussurros esses, que ela não fez questão de dar atenção. Os passos pesados, ecoando no piso de madeira escura e brilhante, os passos cessaram-se e ouviu-se uma batida leve na porta do quarto de Rosalie, tirando-a do torpor que se encontrava, dando lugar à expectativa.
Os olhos levemente esverdeados buscaram os azuis, sentindo o rastro do perfil de Rosalie no ambiente - bonito e vazio, exatamente como ela era e se sentia atualmente -. Os traços sutis da presença sensual e envolvente, os cabelos loiros em contraste harmonioso com o vermelho escarlate dos trajes e dos lábios. O corpo escultural de pele aveludada ansiava por seu toque, implorando para que a possuísse.

***

A vivacidade deixara seu ser a muito, seus pés descalços e sujos galgavam às margens do rio que banhava os terrenos da casa. Nas mãos ela trazia uma rosa, seus dedos passeando pelas pétalas, dando-lhes seus últimos minutos juntos. Os braços musculosos abraçaram-na em sua cintura, puxando-a para o alto, fazendo com que os cabelos esvoaçassem à brisa gélida do brilho da lua.
Sorriu, em muitos anos sorriu, seus olhos refletiam o que seu interior já não mais demonstrava. Seus braços buscando o corpo másculo de Emmett junto ao seu, numa fome insaciável um do outro.

***

Fazia 20 anos que tudo havia ocorrido e ela ainda guardava aquela rosa junto à cabeceira de sua cama. Sempre dormia e acordava tendo seus olhos junto a ela. A decoração predominantemente branca do ambiente iluminava ainda mais os cabelos, agora, branqueados.
– Eu te amo! - ela ouviu de uma voz sôfrega e de um único fôlego. Havia necessidade e urgência no tom, os olhos ainda vívidos tornaram a assumir o aspecto vazio, as pálpebras estáticas e os olhos perdidos em algo distante, algo que somente ela compreenderia em toda sua perfeição e complexidade, pois, somente ela era perfeita, como uma verdadeira boneca de porcelana, de beleza pura e intocável.

Ares

Micaela andava rápido pela rua, quase tropeçando em suas pernas. Odiava andar para casa tão tarde e sozinha, mas hoje se fizera inevitável. Ela era professora de dança, tinha sangue latino correndo em suas veias, mas não era como suas avós e tias, que, com um pouco de álcool, desafiariam qualquer um para um duelo mortal. Até pelo contrário, sentia-se terrivelmente deslocada entre elas, a eterna garotinha feia da família, embora houvesse se tornado uma mulher bastante bonita para os padrões da maioria.

Estudara em boas escolas, obtivera excelentes notas, enfim, havia trilhado um caminho de grandes, mas não deixara que o sucesso lhe cegasse. Mantinha os pés bem presos ao chão, tanto na dança quanto na vida. Ah... a dança. Sempre tivera um papel importantíssimo em sua vida desde tenra idade, quando por modismo pedira que a mãe a inscrevesse nas aulas de balé, apesar da evidente falta de jeito, até que pouco tempo depois ela descobriu a dança descontraída, sem muitas pretensões além do divertimento. Daí até a absoluta paixão não foram mais de dois anos, e agora, após várias temporadas longe de casa, ela voltava como uma das melhores professoras de sua escola; voltava para o anonimato e, felizmente, voltava realizada.

Ouviu um barulho nas latas de lixo e em seguida uma enorme mancha preta se esgueirou por entre os sacos e tampas. Micaela prendeu a respiração, crendo ser algum mal elemento que pretendia assaltá-la, mas era apenas um gato de rua. Os dois se fitaram mutuamente, com espanto, até o gato encontrar algo mais interessante que a morena numa lata próxima. Ela respirou relaxada e prendeu a bolsa tiracolo mais a seu flanco direito, bem distante da via comum da rua. Andou mais algum tempo sem encontrar vivalma, apenas ouvindo o barulho de seu coração e de seus passos, até que virou numa viela atravessada e deparou-se com um simpático senhor atrapalhado com suas compras.

Eram duas sacolas dessas de mercado comuns, dentro ela pôde ver as compras comuns de uma pessoa para um jantar. Os dois se olharam e ele abaixou o olhar, respeitoso, para a formosa dama que aparecera do nada. Havia alguns anos que não tinha relações sociais mais com os 'novos adultos', de forma que ficou um tanto surpreso ao vê-la tão apegada à sua bolsa de couro legítimo e bem escondida atrás do casaco; estava muito acostumado à ver as mulheres seminuas, mostrando tudo o quanto era possível mostrar, às vezes, mais.

Micaela observou o senhor curiosa, já que as pessoas, àquela hora, deveriam estar todas em suas casas assistindo TV e conversando sobre seu dia com seus pais e irmãos. Depois dessa observação ela sorriu, se achando a mais cafona das mulheres, afinal, se todos estavam em casa, que estaria ela fazendo ali? Foi quando ela ouviu o barulho de garrafas se quebrando. Por instinto, se abrigou nas sombras da viela, meio escondida atrás de umas latas e sacos, rezando para que não fosse nada. Quando ela virou-se na direção de onde viera, seu sorriso assustado se apagou e ela viu três coisas: sacolas, sangue e a Morte. O simpático senhor se fora.

A morena conteve o grito que subia por sua garganta e tentou ficar o mais imóvel possível, para que quem quer que houvesse assassinado o senhor não pudesse vê-la, mas não havia ninguém lá. Engoliu em seco, sentindo a bílis subir pela garganta ao notar uma sombra se aproximando do corpo cercado com as compras. O homem que se aproximava, de repente, abaixou-se e verificou se o senhor estava morto, depois de constatar que sim, levantou-se e estalou a língua. Uma montanha enorme de pêlos não tardou a aparecer ao seu lado, com aqueles olhos faiscantes. – E então, Ares? – o gato ronronou e seguiu a diante, parando aos pés de Micaela. – Ora, ora, você é bom, hein. – disse o homem ao se aproximar dela, a morena não podia vê-lo, mas sua voz era arrastada e quase inaudível, o sussurro da Morte. Ouviu-se um grito e depois, nada mais.

domingo, 3 de abril de 2011

O táxi

Odete sabia que não havia sido uma criança normal, não tivera aquele gosto de brincar em frente à casa sob a vista grossa dos pais, não se sujara como as outras crianças normais... preferia por vezes a companhia de animais à de pessoas. Pessoas falavam o que pensavam, animais, se pensavam não falavam; isso era suficiente para ela. Tivera alguns animais quando pequena, cachorros e gatos eram abundantes no lugar onde ela morava - uma cidadezinha interiorana onde todos sabem o que se passa com os vizinhos - e não raro um ou outro aparecia atropelado por um carro qualquer. Era nesses momentos que ela se mostrava ativa e jurava de morte a pessoa que caso algum dia atropelasse um de seus animais, era vingativa e não descansaria até encontrar quem o fizera.

Eis que num dia, quando saíra mais cedo da aula, estava sentada em frente à casa olhando para a rua. Seus pais não estavam e, portanto, ela ficara fora de casa, pois não tinha a chave da porta. Olhando para o pouco movimento que havia ali, ficou olhando para um gato de rua que brincava com uma sacola de lixo. Ele devia ser bebê ainda, era pequeno e malhado com cinza escuro e claro. Era bonitinho, a menina até cogitou adota-lo porém já tinha dois cães pequenos e duvidava que os pais aceitassem mais um filhote em casa. Passou algum tempo focada no pequeno animal até que a carrocinha passou e pegou o pequeno para pô-lo junto aos demais filhotes abandonados. Ela derrepente se viu desconfortável com aquilo, não queria que o gato tivesse aquele mesmo fim que os outros. Ela já sabia que se ninguém o adotasse, ele seria sacrificado porque a prefeitura não poderia mantê-lo. Quis pedir para o moço que não o levasse, mas não ia adiantar, ela sabia.

O táxi parou derrepente, fazendo com que ela saísse de seus devaneios. Olhou ao redor, estava em um posto de gasolina. – Desculpa, é que tem de encher o tanque senão não roda. – e sorriu, com os dentes amarelados e os olhos castanhos brilhando. Odete assentiu e olhou para o lado de fora do carro. Lá a noite estava mal iluminada e densa, a chuva tornava aquela sensação ainda pior. Não tinha medo de trovões nem de tempestades, simplesmente não conseguia ver tamanha beleza que os poetas atribuíam à noite; ela era misteriosa, tudo bem, mas era tão... comum, tão cotidiana que ela por vezes se esquecia da mesma.
Ela jamais a subestimava, só a colocava naquela gaveta de 'sem importância' junto com várias outras coisas, enquanto suas maiores preocupações a cegavam. Enquanto suas colegas de escola agora tinham se casado e tinham vários filhos, passando por dificuldades, Odete nunca sequer tivera namorado - apenas alguns companheiros, sem qualquer importância - e nem cogitara ter filhos. Agora, entretanto, sentia falta de alguém para conversar, talvez por isso era tão só.

Sentiu aquele típico cheiro de gasolina e de posto, aquilo era horrível, mas ela não podia evitar então fechou os olhos e deixou a cabeça pender para trás. Ficou um tempo assim até sentisse o corpo se retesar e então relaxar; era um convite silencioso para uma noite de sono, mas ela não podia, então arrumou sua postura e ergueu a cabeça. Deparou-se com os olhos castanhos do motorista fitando-a pelo espelho retrovisor. Horas atrás ela manteria o olhar firme, mas não agora, baixou o seu e ficou olhando para suas mãos.
Tinha dedos longos, que agora seguravam sua bolsa com cuidado. Gostava de suas mãos, elas impunham o respeito e a autoridade de que ela tanto necessitava para viver. Eram seu meio de trabalho, era com elas que ficara famosa. Odete Saint-Blair, uma reconhecida jornalista e crítica de moda, uma megera para a maioria de seus empregados, odiada por todos, estava sentada num táxi baixando seu olhar para o motorista. Algumas pessoas com quem trabalhava pagariam milhões para ver aquilo, ela, entretanto, não ligava para o que eles pensavam. Ela não podia imaginar o que se passava com o motorista para encará-la tão energicamente, talvez ela não devesse ter pego aquele táxi, afinal, o motorista podia até ser um maníaco... quem sabe, mas era um risco a se correr, todos os dias.

O frentista fez sinal de que já havia terminado seu trabalho e que ele já podia sair dali e ir ao caixa pagar. Aquele posto era diferente, os frentistas - após muitos assaltos - não ficavam com o dinheiro, os clientes deveriam se dirigir a uma espécie de caixa onde um atendente - em geral uma estagiária precisando de dinheiro - e um guarda receberiam o dinheiro. Aquele esquema se mostrara falho por duas vezes, mas os donos não estavam dispostos a re-implantar o antigo sistema e deixavam como estava. O motorista pagou o valor e saiu, voltando para a rua bem iluminada por grandes postes.

– Meu nome é Murkus. – ele não sabia o motivo, mas notara que aquela mulher não era como as outras, ela podia aparentar aquela altivez de alguém dos altos círculos sociais, mas não era fútil como as que via na televisão. Odete se surpreendeu com a voz dele. Não era excessivamente grave, em sinal de masculinidade, mas também não era soprana, era jovial.
– Odete. – respondeu, simplesmente, ainda olhando para suas mãos, a voz fraca.

Markus trabalhava como taxista desde que se lembrava, não se imaginava longe daquela profissão por mais que insistisse que era provisório. Casara-se, criara três filhos e mantinha uma pensão para a mãe com aquele emprego, logo, não tinha nada a perder ali. Tinha apenas trinta e cinco anos, porém, os longos congestionamentos e a rotina estressante haviam deixado marcas profundas em sua tez, parecia muito mais velho do que era, apesar disso, era bonito. A esposa sempre dizia que tivera muita sorte ao casar-se com ele, Markus apenas ria, envergonhado. Marie, sua esposa, era três anos mais nova, e, no entanto, parecia ainda uma modelo. Era estranho o contraste entre os dois: ela, sempre bem vestida e perfumada, deixara a família para casar-se com ele, um jovem estudante sem qualquer estabilidade financeira e sem diploma. Casaram-se numa cerimônia simples, apenas para os amigos mais íntimos e a família - a dele, já que a de Marie recusara o convite -. Mudaram-se para um pequeno apartamento no subúrbio da capital, longe do glamour da sociedade onde Marie estava acostumada a viver.

O que o atraía em Odete não era sua beleza, mas sim sua semelhança com Marie quando esta era mais jovem. Antes dos problemas típicos de um casamento de contrastes, e principalmente, antes dos filhos. Odete, ainda que com os cabelos úmidos e a roupa molhada, tinha classe, exatamente como Marie. – Desculpe a indiscrição, mas porque parece tão triste? – a mulher se surpreendeu com a pergunta, até pensou em ignorá-la, mas a curiosidade era maior.
– Se fosse apenas um motivo tenho certeza que não estaria. – respondeu, olhando-o pelo retrovisor como ele antes fizera.
– As pessoas costumam ver problema em coisas simples, coisas que não existiriam caso não quisessem.
– Eu tenho certeza de que não quero esses problemas, ainda assim, eles não necessariamente desaparecem. Diria que o contrário, até.
– Há alguns anos eu até concordaria com a senhora, mas hoje eu sei que não, e que tudo que nós temos é porque: ou pedimos, ou devemos. E não acho que a senhora deva algo a alguém, então, só resta uma alternativa.
– Talvez. Ainda não sei, mas é provável que sim. – Ela não sabia porque seguia naquela conversa, mas sentia-se estranhamente confortável com ele. – Também é provável que nunca descubra.
– É muito improvável que o nunca se repita. – um momento de silêncio. – Eu nem deveria estar falando com a senhora, desculpe.

E ambos se calaram por algum tempo. Odete voltou a olhar para fora do carro, pensando no que ele havia dito. Devia ser verdade, porém, ela tinha de aceitar que aqueles espinhos - querendo ela ou não - agora eram parte dela; assim como eram da natureza de todas as rosas de todo o mundo. Abriu sua bolsa e pegou um papel amassado, era um rascunho de uma carta. A caneta bic havia borrado - ou eram as gotas de chuva? -, mas ela não ligava para isso. Na verdade, nem sabia o porquê por trás daquela carta, mas ainda assim a havia escrito.

Havia tantos anos que ela não escrevia por escrever, havia deixado esse hábito conforme subia na hierarquia da empresa, não havia tempo para perder com isso quando deveria fazer reportagens que fariam com que ela ganhasse alguma importância. Não que ela quisesse importância por importância, queria fazer um bom trabalho e ser reconhecida por isso, como qualquer pessoa que sabe ser um bom empregado. Então, Alexei chegara com aquela idéia louca de fazerem a sua própria revista, ela aceitara claro, achando ser mais um delírio do amigo, e, no entanto, agora ela era uma das editoras-chefe e era muito bem reconhecida.
Sorriu, sentindo-se mais nostálgica ainda do que antes, mas ela não podia fazer nada. Tocou levemente no ombro de Markus e pediu que ele seguisse para seu apartamento, ainda sorrindo. Tinha o semblante mais leve, até um tanto divertido com os cabelos emaranhados e a roupa molhada. Ele seguiu logo para lá, não estavam muito longe de qualquer forma. Não se falaram no caminho, mas palavras não eram necessárias para que ela agradecesse ou coisa semelhante, e ele sabia disso.

Quando chegaram ao condomínio em que ela morava, Markus não pôde deixar de se sentir muito surpreso. Lógico que ele sabia que ela não era exatamente pobre, ou classe média, mas não esperava encontrar um arranha-céu com câmeras de segurança por todos os lados e principalmente o nome: Edifício Carly Edson, que ele conhecia muito bem. Odete pagou-o e saiu do carro ainda sorrindo, em seguida rumou para a entrada do edifício sem notar o olhar perdido de Markus, olhando para ela e para o edifício.

A praça

Ali, sentada olhando para o nada, parecia muito bem mais velha do que realmente era, mas era só cansaço. Sua rotina era pesada: mais de cem horas semanais, tinha apenas a terça-feira para dormir. Dormir para quê?, ela respondia quando lhe perguntavam, e sorria. Ainda lembrava-se dos primeiros anos naquele mercado, tudo era tão difícil e não havia 'salário', apenas uma ajuda de custo para a condução que ela precisava pegar todos os dias. Todos lhe diziam que aquilo não lhe daria futuro e que devia pensar em dinheiro e não em arte, mas ela persistiu. Levou anos – mais do que ela gostaria, até – porém, agora ela estava no topo.

Conservava poucas amizades daquele tempo e podia até dizer que seu único amigo era Alexei, seu companheiro de aventuras. Embarcaram naquilo todos os dias, juntos, mesmo separados por um oceano de idéias. Algumas especialmente contraditórias, diga-se, mas outras floresceram. Odete pegou um punhado de milho e jogou aos pombos, nostálgica. O mundo rodava lentamente, como que com preguiça de lutar por luz. Por vezes ela mesma tivera força de apressar o tempo, mas agora sentia-se velha e fraca demais para aquilo, então, não resistia àquela sensação de formigamento que invadia seu peito. Ela nunca havia sentido isso antes, mas sabia o que era: culpa.

Havia construído uma carreira com o trabalho alheio, ela sabia, mas buscava justificar-se de alguma forma e perdia horas nas madrugadas diante de fotos e fatos, só pensando nos detalhes. Tinha essa mania, era perfeccionista ao extremo com tudo e todos. Não gostava de admitir o que era a verdade: nada daquilo era seu, ainda assim, todos os dias ela comemorava seu sucesso. Um celular tocou. Ela demorou a notar que era o seu próprio, olhou no visor, era Alexei. Imaginou o que ele queria, só então atendeu. A voz aguda do homem a assustou, mesmo há anos convivendo juntos ela não se acostumara.

– Onde você está? Vou buscá-la agora.
– Não – a sua voz era apenas um sussurro rouco –, eu quero ficar sozinha.
– Está novamente nostálgica ou é um daqueles surtos criativos? Os adoro, você sabe.
– Nada, só quero ficar sozinha. – e desligou, desligando também o aparelho.

Odete não tinha certeza se era verdade, mas a solidão era mais... fácil. Sim, era essa a palavra: facilidade. Havia nascido sem espaço, cercada de pessoas como uma flor num canteiro velho e abarrotado de profundas raízes, naturalmente, ela aprendera a blindar-se daquelas raízes. Mas, e agora? Ela havia conquistado seu espaço de direito, devia despir-se das proteções, certo? Ela queria, oh como queria, mas não era tão simples assim, não. Desde criança ela sofrera, tivera depressão e repugnava o próprio rosto; fugia das pessoas e dos espelhos.

Crescera, florescera e com isso vieram as proteções. Agora, crescida, era bela, porém, cercada de grandes espinhos. Fechara-se em si mesma, sentia-se só mesmo cercada de "pessoas". O que era isso?, ela certa vez perguntara a um certo alguém. É o nada., lhe respondera, mas aquilo não bastava, e por isso ela, sem notar, retirava-se todos os dias para sua solidão barulhenta. Em sua essência, buscava nas folhas das edições que publicava as respostas das quais tanto ansiava. Nunca havia o nada, mas também nunca havia o nunca... estava confusa.

Lera tantos livros, ouvira tantos psicólogos, todos diziam a mesma coisa: não há nada com você. Era isso que a irritava, essa persistência no nada. Um joguete de palavras como tantos outros que ela conhecia. Era nesse momento em que ela erguia-se imponente, como aquela rosa. Todos a viam por suas pétalas, mas aqueles que se aventuravam a tocá-la sempre saiam feridos. Observava agora o bater de asas de uma das pombas, era algo tão natural, algo que ela apreciava. Imaginou porque os seres humanos não poderiam ser como eles, e foi então que a pomba voou quando Odete se levantou. Era por isso.

Agora, de pé, sentiu os pés arderem e não hesitou em arrancar os scarpins altos e jogá-los longe. Seus pés eram tão longos e fazia tanto tempo que não os via que quase não se reconhecera. Mesmo apegando-se aos detalhes, a última vez que fizera aquilo fora em segredo. As modelos eram lembradas por seus corpos e rostos, mas nunca, nunca mesmo por seus pés; o mesmo acontecia com ela, com a diferença que ela seguia repudiando o próprio rosto - apenas mais discretamente agora.

Era muito jovem quando aquilo acontecera; esquecera de certas coisas, de alguns detalhes. Não se lembrava com certeza de quando, mas havia sido por volta dos sete anos. Havia brigado com uma colega e também com os pais; passara a noite em claro se olhando no espelho, tomando nota de todos os detalhes, pois tinha medo de se esquecer. Desde então, ela evitava ao máximo se olhar, pois tinha medo do que veria refletido. Tão jovem..., ela dizia às jovens modelos que temiam às suas carreiras vai passar, não tema., quando ela própria ainda não havia superado seus traumas de infância. Seria ela hipócrita? Jamais, ela sempre se consolava, da mesma forma como antes. Será que isso a tornaria uma víbora como a outras? Quem era a vilã e quem era a mocinha dela própria? O que era certo e o que era errado? Essas perguntas eram frequentes desde sempre. Odete fora uma mulher precoce, e talvez por isso criara espinhos ao redor de si.

Agora tentava desesperadamente se desfazer deles e novamente, como antes, batia de frente com seu reflexo no espelho. Era tudo tão confuso, ela era apenas uma criança, apenas uma criança! Eles não tinham o direito de fazer isso com, não! Então tudo ficou escuro derrepente e ela sentiu-se esvaindo, cansada, e deixou-se levar.

Foi tudo rápido, ela agora estava diante do mar e tinha nove anos; era a primeira vez que conhecia o som da vida. Entrou na água com cautela, primeiro, só os pés: sentiu o frio da água; avançou mais um pouco e de tão encantada que estava, não ouviu os pais avisando que iriam comprar um picolé – eles também não se importaram em gritar um pouco mais alto, tinham pressa –. Então num segundo ela desbravava a costa, como aquelas super-heroínas que tanto amava; tudo ficou escuro e ela não mais conseguia respirar, sentia que sua mais nova amiga a engolia: a curiosidade.

Acordou dois dias depois no hospital, tinha tubos entrando e saindo de seu corpo mas não tinha medo. Tinha o peito e a mente aberta para novas experiências e sensações. Naquele mesmo dia teve alta, os pais precisavam trabalhar e não podiam faltar. Ela lembrou-se da enfermeira, era loira e tinha os olhos castanho-escuro; muito vívidos. Ela amava aquilo que fazia, ela era humana.

Já era tarde quando saíram, já no carro ela deitou-se no banco traseiro mas não dormiu, preferiu ficar olhando para aqueles pingos de tinta no céu. O pai notou o olhar interessado e lhe explicou o que eram as estrelas e o principal: elas estavam muito, muito longe dali; bastou para que ela decidisse largar as bonecas e pedisse uma luneta. Não ganhou, porém, engenhosa e geniosa que era, fez a sua própria com um canudo de papelão e cacos de vidro. Começava ai o seu interesse pela ciência. Mas já era tão tarde da noite que ela logo adormeceu. Não viu o pai pegando-a no colo para levá-la para casa, mas sentiu o calor e aconchegou-se.

Quem é aquela mulher sentada no chão, descalça e com o olhar perdido?, ela ouviu alguém perguntar, só então seus olhos retomaram foco e as sombras tomaram formas. Quem sou eu?, ela não sabia a resposta, mas adoraria que alguém que soubesse pudesse lhe dizer. Sentiu as primeiras gotas de chuva no rosto, Sol e Chuva... pensou, lembrando-se dos versos que aprendera ainda pequena, não lembrou-se do resto, entretanto. Havia coisas que ela fizera questão de apagar, outras haviam acontecido há tanto tempo que ela naturalmente havia se esquecido.
Essa era uma delas. Ouviu uma criança sorrir com as gotas de chuva, lembrando-se dos filhos que não teve. Lembrou-se derrepente de tudo que havia abdicado por sua carreira e sentiu-se uma tola. Perdera os melhores momentos de sua vida criticando o trabalho alheio e faturando com isso. Sentiu-se uma modelete no início de carreira.

Mas o que era isso, afinal? Um mercado onde seres humanos têm prazo de validade como animais abatidos? Algo semelhante, era verdade, porém, não tão cruel. Será? Ela sabia que a única diferença entre aquele animal abatido e uma de suas modelos era o polegar opositor – porque o cérebro não era tão diferente assim, diga-se –. A chuva começou a engrossar e rapidamente ela já estava encharcada e o penteado, desfeito; a praça, vazia, exceto por ela própria e seus muitos reflexos.
Ela era a chefe má que cobrava de seus funcionários, era o bom-gosto, a elegância... mas, no fundo, depois de passar por todos os espinhos, ela era um pequeno caule desprotegido. tão frágil quanto aparentava, talvez mais até.

Sentiu o peso da noite cair sobre si, já era hora de partir, então. Com os sapatos em uma mão, a bolsa na outra e os cabelos soltos e molhados, ela parou um táxi e pediu que o motorista apenas rodasse por ai, sem um destino pré-imposto.

– Isso vai custar caro...
– Não me importo, por favor. – ela não era mais aquela garota pobre que pegava uma condução cheia para ir ao trabalho.

An Angel (SS/HG)

Os olhos negros corriam de rosto em rosto, mas buscavam apenas um par de olhos castanho-escuros, que ele sabia que nunca mais poderia ver ou tocar.

Suas relações eram puramente sexuais, apenas por prazer e necessidade. As diversas mulheres que passaram por seu leito eram pagas para fazê-lo, e muitas ele tinha certeza que nunca mais o veriam.
As noites notórias de ressaca eram apenas interrompidas pelos chamados do Lord das Trevas, aos quais ele deveria comparecer com rapidez. Sempre imaginara se poderia ser amado por alguém que não o visse como um Comensal, mas sim como o homem que ele poderia ser.


Severus continuou a andar, sua vida se fora assim que a de Sophie deixara seu corpo. O que mais lhe magoava era o fato de que ela morrera em seus braços sem que ele pudesse fazer qualquer coisa. Não havia tempo para preparar uma poção ou para realizar um feitiço para fechar os ferimentos. Foi a primeira vez que Snape chorou.

Agora ele não se permitia mais viver, buscando a todo custo a morte. A princípio foram meses vagando sem descanso pelos terrenos de Hogwarts, somente uma pessoa sabia onde estava e como estava. Hermione Granger fora a única que não o condenara por não impedir a morte da esposa, ajudando-o sempre que o via com roupas e comida, mas Severus não queria depender da ajuda de alguém por isso decidira deixar Hogwarts definitivamente.

No dia em que decidira ir embora ele fora onde Hermione e ele sempre se encontravam: A Casa dos Gritos, de onde não possuía boas lembranças desde os anos em que era aluno em Hogwarts, quando Sírius armara uma armadilha para que Lupin o ferisse. Mas agora era aquele o único lugar onde poderia ir sem ser perturbado por alunos ou mesmo professores, exceto a Srta. Granger.

No fundo ele queria provar para sim mesmo de que ainda havia alguém que lhe dedicava atenção e cuidados, gostaria de despedir-se dela como sinal de gratidão e também para lembra-se de Sophie nos olhos castanhos de Hermione.


Era madrugada quando Hermione foi à Casa dos Gritos. Já se acostumara a andar a noite em suas vigílias noturnas, ainda mais depois que descobrira que seu antigo professor vagava por ali há meses. Ajudava-o sempre que o via, já saia da escola com roupas e comida todos os dias, sempre na esperança de que ele a visse como mulher e não mais como aluna, mas ele nunca demonstrara nada além de um profundo respeito e alguma gratidão.

Severus se lembrava muito bem na causa da grande mancha de sangue no chão do segundo piso - Sophie... - suspirou cansado com a dor que ver seu sangue ali lhe causava. Queria poder ter tido a chance de salvá-la, mas isso também lhe fora privado: a vontade própria.

Quando Hermione chegou a casa e o viu à espera dela, sentiu que aquela seria sua última chance de dizer o que sentia por ele e suas verdadeiras intenções. Chegou a começar a dizer, mas não conseguira terminar de proferir as palavras, Severus se fora ao menor piscar de olhos. Deixando-a sozinha e chorando com medo de nunca mais vê-lo.


Agora já fazia meses que ele abandonara a Srta. Granger na Casa dos Gritos. Se sua visão do mundo mudara, ele não sabia. Apenas sentia que devia impedi-la de se deixar levar por ele, mesmo ele se implorando internamente para que ela o amasse Severus sabia que qualquer coisa que Hermione viesse a sentir por ele seria derivada do respeito com o qual ele a tratava. - Nada mais do que admiração pela figura masculina, nada mais.

Parou de andar por um momento, sentindo os olhos castanho-escuros de Sophie sobre si. Buscou-os em meio a multidão de rostos pálidos e macilentos, mas não os viu. Suspirou em sinal de desesperança e seguiu seu caminho, ainda buscando-a.




***


A jovem esposa e mãe olhava para fora pela janela de sua casa, imaginando que caminhos seu amor havia tomado, imaginando as noites em que ele pudesse ter adoecido, e sempre evitando a idéia de que ele pudesse não ter sobrevivido sem seus cuidados. Seria demais para uma mulher grávida, ainda mais quando o marido está sempre por perto, certificando-se de que Hermione estivesse segura e saudável.
Rony cuidara para que Hermione não tivesse nenhum esforço físico durante a gestação. Ela até já desconfiara se o marido zelava mais pela vida do bebê do que pela dela, apesar das desconfianças ele sempre desconversava, dizendo que era impressão dela.

Uma neblina encheu a rua com o ar frio de inverno, fazendo com que Hermione fosse se deitar.




***


Em outro país Severus Snape se sentava num banco de praça. As roupas não eram negras apenas por gosto, mas sim em demonstração do eterno luto que ele fazia em honra à Sophie.

Hoje se lembrava com pesar dos poucos momentos que passaram à sós, esperando sinceramente que ela engravidasse para manter a linhagem Snape sobre a Terra. Ainda não tinha certeza de que, se soubesse o fim da estória, a permitiria engravidar, não suportaria saber que sua esposa e filho - ou filha, lembrou-se, tivesse morrido com a mãe. Também não gostava da idéia de que pudesse criá-los sem a presença alegre de Sophie na família, nunca se imaginara nessa situação nem gostaria de vivê-la em qualquer momento. Já bastava a dor de perdê-la.

Viu crianças brincando com suas mães no parquinho próximo do banco, elas sorriam alegres com a simplicidade com que resolviam cada enigma com sorrisos e olhares vívidos. Viu ainda um garotinho dar algumas flores para a mãe, viu a surpresa com que ela reagiu e o abraço apertado que recebera do filho.

Nunca parara para perceber como a beleza pode estar nas coisas mais fáceis e simples da vida, nem tudo precisa ser caro e perfeito para ser belo.

Concentrou-se num livro que trazia sob as vestes - A menina que roubava livros.
Literatura trouxa não era a sua preferida, mas era o que dispunha para saciar a sede de conhecimento. Desde que chegara ao Brasil se concentrara em conseguir um emprego decente e manter-se sóbrio - o que não fizera muito bem nos últimos meses.

Enquanto seus olhos corriam pelas frases e páginas do livro uma criança se aproximou dele e ficou observando-o. Com a mesma perspicácia dos tempos de espião, Severus logo percebeu a companhia, mas resumiu-se em ignorá-la. O menino permaneceu calado todo o tempo, apenas observando Severus ler o livro e imaginando o motivo que o guiara a fazê-lo. Já era tarde quando Severus perguntou o que o menino desejava.
– Nada. - ele respondeu e continuou a fitá-lo. Um pouco incomodado com os olhos do garoto sobre si, ele perguntou sobre a mãe do menino.
– Não sei, mas algo me diz que você me procura.

Snape encarou longamente o garoto que correspondeu ao olhar com sinceridade. Reconheceu que se lembrava vagamente daquelas expressões em outro rosto, um rosto feminino. O espanto formou-se na face macilenta de Severus.

Nunca acreditara em reencarnação, mas a prova concreta estava diante de si. - Qual é o seu nome?
– Joseph. E o seu? - o menino perguntou com inocência, apesar de já saber o nome de Severus.
– Severus. - o menino assentiu e voltou seu olhar para as árvores que rodeavam o parque em que estavam. Em algumas horas iria anoitecer, mas Joseph não se importava com esse fato.

Severus continuou a olhar o menino, até que seguiu seu olhar até a outra extremidade do parque, onde Sophie lhe sorria. Um sorriso simples, porém marcante. Ele sentiu o cheiro de rosas e em seguida fechou os olhos para sentir melhor o perfume de sua amada, quando os abriu ela não estava mais lá e uma criança sorridente estava ao seu lado.




An angelface smiles to me
Under a headline of tragedy
That smile used to give me warm
Farewell - no words to say
Beside the cross on your grave
And those forever burning candles...



E suas noites eram regadas a sexo e álcool, sempre resultando em terríveis dores de cabeça e ressacas que eram terminadas com uma poção para dor e outra para concentração.

Os anos de espião custaram-lhe muitos machucados, tanto físicos quanto psicológicos. Lord Voldemort gostava de torturá-los até que implorassem por um fim breve, que nunca chegava. Aquele que já fora o mais brilhante aluno de Hogwarts se transformara em um ser sedento por poder.
Nunca se importando com regras ou costumes, sem limites nem qualquer traço de medo ou angústia. Criado como órfão, Tom Riddle havia conhecido a face da miséria e se prometera nunca mais sentir aquilo, fosse preciso fazer o que fosse.

Severus Snape fora apenas mais um dos iludidos pela ambição do Lord. Mas aos poucos conquistou prestígio entre os demais servos, sendo cada vez mais próximo ao Lord, conhecendo seu passado e suas fraquezas, destruindo-o com suas próprias armas, usando de seus próprios métodos. Ferro com ferro, fogo com fogo.

Até, que um dia conhecera Sophie, ainda como Aurora em Hogwarts. Ela cuidara para que as proteções da escola não ruíssem diante a ira de Lord Voldemort, mas, mesmo com seu talento nato e poder ela não conseguira grandes resultados. Fizera o que pudera enquanto bruxa, deixando uma memória pura para ser sempre lembrada aos alunos e principalmente para certo professor de Hogwarts.

Tempestade (SS/HG)

Está escuro, vejo somente o luzir das grossas gotas de chuva forrarem o chão, criando um tapete de lágrimas angelicais.
O Silêncio é tão profundo que ecoa em minha mente, dando a impressão de que estou presa, mesmo sabendo que não estou.

Um trovão, o som ofusca o das lágrimas, criando uma sinfonia melancólica.

Ao longe posso ouvir o farfalhar das árvores sob o constante contato com as correntes de água e de ar. Ouço passos ecoando nesse Silêncio, causando-me medo e apreensão. Sigo em direção contrária à que os ouço o mais silenciosamente possível, procurando não expor minha presença ao meu invasor.

Agora meus cabelos, já muito molhados pela chuva, são levados pelo forte vento que anuncia uma tempestade, de raios ou de lembranças, eu não sei. Meus pés descalços tateiam o solo em busca de apoio, mas nada encontrei, apenas os restos férteis de folhas e lama.

Outro trovão, assusto-me com seu som, o vento começa a ficar ainda mais forte, aumentando o barulho proveniente das árvores. Apresso meus passos ainda à procura de algum lugar para ficar até o fim dessa tempestade, não encontro nada.

Sinto o cheiro de maresia; cheiro de ferrugem e sal. Ouço os passos se aproximando, rasgando as folhas sob seus pés, apresso ainda mais os meus.

Perguntas afloram em minha garganta e sinto vontade de gritar, então paro e me viro. Posso ver agora quem me seguiu.

As íris tão negras parcialmente escondidas por uma máscara reluzente. Não sinto mais medo, apenas vontade de me atirar em seus braços, pois sei que ele está aqui para me salvar.

Mas não consigo, sinto meu corpo cair e o chão desaparecer, eu me permiti cair para não sofrer nas mãos dele.
Meu corpo afundando na água tão escura quanto tudo ali, a última coisa que vi foi um relâmpago, iluminando sua face carregada, em seus olhos a desilusão de me perder.


Alguns meses depois...


O telefone toca em Spinner's End, um homem vestido de luto atende - Encontramos um corpo, precisamos que venha fazer o reconhecimento - uma lágrima solitária caiu de suas pálpebras e ele colocou o telefone no gancho.


Horas depois...


Snape estava de frente à um caixão de madeira escura, ornamentado com flores disformes ao longo de si. Ele não chorou...

Ele não queria sair dali, queria ele estar no lugar dela. A passos indecisos ele avançou para o caixão, deixando uma rosa sobre ele, em seguida saiu.

Sem rumo nem destino à seguir.

Na lápide jazia:


Hermione Granger Snape

Nascimento: 19/09/1979
Óbito: 31/01/2005

"...Mas, quando agora atrás
dele tudo se fecha, são jardins
outra vez, e os dezesseis sabres
redondos que sobre ele saltam,
raio sobre raio, são uma festa..."


Maria Rilke, Rainer

sábado, 2 de abril de 2011

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Ensaio sobre a Mediocridade Humana

A vida é uma peça de teatro. Quantas vezes você já não ouviu essa expressão, não é mesmo? Ou: "A vida é uma caixinha de surpresas", quase tão comum quanto. Mas, não, nenhuma das metáforas é a correta, pois senão a peça da vida seria das tediosas a sua rainha. Não temos grandes heróis ou perigos intensos e nem sempre encontraríamos sentido em nossas falas e ações; nossos personagens seriam (ou são?) solenemente ignorados pelo grande público.
Nenhum grande escritor jamais escreveu uma simples crônica sobre a vida de um estranho num ônibus. Ninguém quer ler sobre isso, não! As pessoas já vivem isso em cada dia de suas rotinas, elas não 'quer' [sic] saber mais sobre o João da esquina por terem medo de se interessar mais por ele e, algumas vezes, por si mesmas.

Ora, vivemos na era da globalização! Quem ligaria para um pequeno relato sobre uma revolução no tricô? Talvez, nem mesmo a pessoa responsável pela tal revolução, afinal, perto de um desastre global, qual a importância de uma mísera laçada posta por acaso, à direita e não à esquerda? Aposto que até mesmo você ai, que lê esse texto, se pergunta o motivo de tão desprezível comparação.

Todos os dias são lançadas várias e várias toneladas de lixo literário no mercado. Alguns fazem sucesso pela narrativa envolvente, alguns pelos grandes feitos heróicos retratados, alguns pela simples fama obtida anteriormente por quaisquer meios. Mas, invariavelmente, nenhum livro faz sucesso pela sua simplicidade tanto de enredo quanto de personagens. Nenhum. Como já disse, a vida cotidiana não é uma epopéia e nem vende nada, e, quando uma coisa não vende num mundo globalizado, ela é considerada lixo. Agora eu pergunto: qual a vital diferença entre lixo literário e lixo globalizado?

Ser criativo hoje em dia é algo extremamente complicado de se lidar. Primeiro por que uma vez tendo tantos gênios passado por nós, que resta a nós, meros mortais, senão segui-los? Abençoados sejam os poucos cegos, surdos, mudos e intocáveis que desconhecem o fluxo da maré, pois deles será o futuro. Entretanto, eles são tão poucos e são tão isolados, enclausurados na sua santa ignorância que não podem ver nem ouvir uns aos outros, de forma que, desconhecendo seus respectivos e pessoais potenciais, acabam perdendo-se na Essência do descobrir. São eles os verdadeiros gênios, mas são tão pequenos, coitados. Os mestres os esmagam como vermes com seus discursos regados de perfeita oratória e eles, sem saber da sua singela beleza, recolhem-se em si mesmos, ignorando que do ovo sairá um novo ser.
Não importa para ninguém a sua dor, não mesmo, e é por isso mesmo que só serão lembrados à Morte, quando a casca do ovo se quebrar e abalar toda a constituição da humanização. E só então o mundo conhecerá seus verdadeiros mestres, mas eu pergunto: se são eles tão pequenos e raros, e sendo eles fechados em si mesmos ante a multidão dos devotos, quem os glorificará após a vida? Nunca se sabe, o João da esquina, ignorando, poderia ter sido o maior de todos os mestres dos mestres, mas nunca terá seu esforço reconhecido, porque, na sua simplicidade ele soube captar a essência do lixo globalizado.

Reflitam: valeria mais a um João um lixo globalizado ou um lixo literário? Essa resposta é pessoal e intransferível. E favor assinar a lista de presença após o término, afinal, talvez entre nós haja um João, no fim.

Crônica de um Suicida

Suicídio. É uma palavra bastante forte, mas também, pudera! Ninguém acorda numa bela manhã, beija sua esposa e diz: 'Bela manhã para um suicídio, hein?', para haver um efetivo suicídio é preciso uma série de acontecimentos. Por vezes essa ritualização é que torna o final tão belo e anunciado, tipo uma sinfonia musical na qual cada um sabe o seu lugar.

Gosto dos suicidas. Eles todos têm a coragem de ir contra o ideal da divina beleza e continuidade. 'Só Deus pode tirar uma vida' eles dizem, mas, creio, esqueceram de avisar uns aos outros, com todos aqueles fatais acidentes rondando cada uma das atividades cotidianas. É nessas horas que tu serias o presidente da tua alma? Ora, como soas irônico e convincente, não? Estamos todos tão habituados a tudo que cerca desde pequenos que, por fim, sedemos a todas as tentativas de fuga e ruímos ao peso da 'ração'. MAS... não os suicidas. Eles todos conseguem se libertar desse peso imenso e sair debaixo do céu e poder dizer: 'Estou livre!'. Porém, quando o fazem, acabam descobrindo o enorme mistério da vida: a Morte. E tudo pelo simples fato de que estamos tão ligados à nossa mãe-protetora que ao nos separarmos, descobrimos que não há nada depois, além, e isso é o seu fim. Tenho certa pena de todos eles, que a Mãe lhes seja bondosa.

Hoje de madrugada, enquanto passeava por meus típicos - botecos, prostíbulos, becos escuros... -, deparei-me com uma cena engraçada. Qualquer mortal riria de mim, mas minha curiosidade sobre a mortalidade era maior: aproximei-me de um corpo na calçada e o olhei. Era um homem jovem, mas não parecia ligam nem para si nem para qualquer outra pessoa. Perguntou-me se tiinha uma dose. – Não. – lhe respondi e ele resmungou sobre as pessoas e virou-se no seu canto, letárgico pelas drogas.
A noite estava alta e o vento em breve iria varrer sua alma daquelas ruas. Quase pude sentir algo por sua figura esquelética, maltrapilha e viciada. Quase. Mas, afinal, ele não era um suicida, apesar dos pesares, então dei uma última olhada nele e em seus companheiros - um pedaço de manta e um par de botinas velhas - e me virei, porque não poderia - nem queria - fazer nada por ele. Seu passado não era suicida, ele era apenas outra vítima do sistema da ração.

Segui meu caminho, observando com cuidado cada um daqueles miseráveis jogados nas ruas. Eram todos iguais, todos tão iguais que por fim me cansei e olhei para cima, para meu manto divino. Deus, afinal, não era lá tão mau assim. Ele tinha criatividade, convenhamos, e muita paciência para lidar com todos os seus. Sorri com o pensamento e logo em seguida ouvi aquele barulho tão belo, aquele que marca o início de todos os fins. O do sangue pingando na água. Não demorei a ouvir, também, a música gótica ao fundo. A garota devia ter seus dezesseis anos de idade.
De certa forma, incomum. Pessoas de dezesseis anos querem me evitar, não me buscam. – Olá – disse enquanto olhava ao redor. Havia sangue em todos os locais, junto de cabelo e lixo. A mente da garota estava confusa, amedrontada, mas ela não se assustou ao me ver; também não respondeu ao meu cumprimento. – Você é bastante esperta, garota.

– Por quê? – Em geral os suicidas 'bons' são os recorrentes. Tanto por já nos conhecermos, tanto por já conhecerem o seu papel final na grande comédia da morte. Eles não têm perguntas de fato, apenas uma ou outra dúvida sobre aquilo a que chamamos de 'a Luz'.
– Você é bastante esperta, mas não é a única.

Suicidas são egocêntricos, porque pensam, invariavelmente, serem um peso para si e para a mortalidade. Querem livrar-se da dor que a vida trás, se acham nesse direito. Na verdade, penso, toda a mortalidade fica no ego, porque é ela que lhes impulsiona adiante, que os melhora. Mas também é fato, seu ego não é como suas células, que inflam e acabam explodindo cedo ou tarde.
Olhei longamente para a garota de frente ao espelho. Ela tinha longos cílios e era simétrica, mas tinha, também, um demônio interior que quebrava seus ossos para sair. Sequei as lágrimas que manchavam a maquiagem e lhe dei um beijo. Um suicida não quer morrer. Um suicida precisa morrer. Não era o caso da garota, nem nenhum outro.

Na saída tomei o CD que ela ouvia e levei-o comigo. Os jovens, afinal, ouviam muita porcaria atualmente.

A Mulher de Véu

A mulher se esconde no véu
Branco é o dia, mas ela
Não o nota e passa tão rápido.

Pela rua cantam pássaros
Alegres ventos que anunciam
Ao seu amado nada lhe resta
Senão, a amargura de ter-se perdido.

A mulher se esconde no véu
Não por medo ou vergonha
Apenas lhe é conveniente
Passa a rapidez do dia.

Ela anda devagar, o tempo pára
Seus cabelos acompanham seu rebolado
Indecente para a atualidade e para
Todos os dias que lhe restam.

Por baixo do véu, ela sorri
Com gracejos os jovens a observam
De costas ela parece a velha
Como a noite aos pedaços
E depois me levanto.

A observá-la noto seus braços
Punhos fechados e olhar acusador
A acompanham ao longe
Seu olhar jovial.

S. Blackmont