domingo, 11 de março de 2012

One way

Passando na rua, um louco perguntou: Já reparou? - o são o ignora, somente um semelhante é capaz de ver a beleza que se esconde nas frestas da pergunta. Mas quem pára não é louco... quem pára é apenas curioso. O louco até se surpreende, mas logo se recupera; passa o braço aos ombros do outro e como quem discute o segredo do universo, fala inspirado e ignorante de todos que observam a cena.
- Repara que toda a gente... que toda a gente de todo o lugar, tem quase nada ou muito pouco a ver com seus conhecidos? - ele era do tipo hilário, que muito raramente tira da cara o sorriso ou que se veste de luto. Falava exaltado, sem entretanto gritar; gesticulava, sorria... e curioso, ao lado, de pouco em pouco o reconhecia.

- MAS É O BORGES! - de repente exclamou. O tal Borges era companheiro de noitadas do curioso, havia desaparecido há algum tempo, mas todos achavam que era tal onda de casório que o havia enfim atingido. Estavam errados. Era que o Borges havia se apaixonado, mas não era por uma mulher - nem por um homem, vale ressaltar. Ao menos, não no sentido romântico.

Certa vez estava o tal Borges voltando para casa numa madrugada depois de uma festança braba. Tinha ressaca, um litro de vodka e uma mulher, mas não podia encontrar as malditas das chaves do Corsa branco! Sentou-se no meio fio e sequer notou o abandono da doce dama que o acompanhava, em igual estado. Ela logo arranjou companhia. Mas o Borges, não.

Não se sabe muito bem se foi reação da vodka no organismo, se foi sereno da noite ou quentura do amanhecer... o fato é que desde aquele dia, ele nunca mais apareceu. Não foi ao trabalho, nem no enterro da tia, não foi visitar a irmã, nem pediu em namoro a vizinha. Não dormiu nem tornou a dirigir. O fato... ah... o fat-

quinta-feira, 8 de março de 2012

sexta-feira, 2 de março de 2012

O sangue

E na infelicidade do poente, a faca ergue-se contra o poer, e quando cai, é noite. Já vai tarde, o assassino diz, mas na verdade ele não é o assassino nem pode falar. Quem diz é o morto, porque é dele a língua que perfura a carne do assado. É dele o cálice envenenado. O assassino apenas sorri com o seu afeto, em mera contemplação. Entretanto, não é vingança que está em seus olhos, mas não posso dizer que seja arrependimento, ou caridade tampouco. É mais profundo, insano e é doce como mel, revirando em suas tripas com a refeição soberba mal digerida. Ele se recusa a vomitá-la porém, mas o sangue... ele suja seus sapatos.

Escorrendo pegajoso pelas sombras, o assassino foge, tendo no bolso a faca... a maldita faca, e nas solas dos sapatos, o rubro o persegue como a guiar seus passos por cantos jamais antes visitados; à calada da noite ele retorna, como um zumbi, a contemplar os carros que chegam, e a viúva que em choque, não chora, mas não esconde a juventude que há em seu coração. Passa-lhe que talvez deva-lhe os pêsames, se pergunta se não seria zombar com o olhar estático e vazio, meio negro do morto. Mas ele está morto... está e nada pode mudar o fio da faca, agora cega, que lhe cortou o peito.

O assassino, porém, sabe que não deve. Está cansado e tem olheiras, mas a visão do morto não lhe pode ser privada. Quer vê-lo, quer zombar... quer vingança. E é nisso que ele cai, porque o riso da pose tragicômica é imediato. O morto morreu sem saber por que meio, só viu o olhar intragável do assassino, e no rosto, a máscara fúnebre cai. E já noite, e todos dormem na casa. Levanto-me e de súbito, o assassino está sobre mim. Meu grito ecoa na noite, e fim.

Korn - Coming Undone