segunda-feira, 25 de abril de 2011

A verdadeira personagem

Ella era uma jovem escritora, com poucos anos de mercado e, que droga, ela não conseguia escrever nada que agradasse a si mesma tanto quanto seus romances pareciam agradar a seus leitores. Passava dias diante de uma ideia, mas sem qualquer conhecimento mínimo de realidade para transcrever em palavras o que sentia; porém, assim que via um romance de seção da tarde, sua mente fervilhava de ideias tão açucadas quanto o filme, e assim que se voltava para a máquina de escrever, no papel brotavam lindas histórias. Eram todas jovens mulheres, todas malsucedidas profissionalmente e infelizes em seus respectivos empregos. Todas feministas, independentes. Todas Vera. Não tinha parentes mulheres que se encaixavam naquele perfil, mas tinha uma prima distante que se chamava Vera e, ao contrário de suas heroínas, era absolutamente dependente de outras pessoas, fosse para o que fosse. Era indecisa quanto à roupa a ser vestida, a comida para o jantar, a música a tocar... tudo.

Suas Veras eram todas mulheres altas e magras, embora ela mesma não fosse um exemplo de magreza - o público gosta, Ella, não faça personagens esteriotipados!, dizia seu editor -, em geral morenas com lindos olhos verdes e deveras atraentes, embora o senso feminista impedisse qualquer flerte com elas.

Certo dia ela se sentou diante da máquina de escrever e insitiu na ideia de inovar. Estava cansada de suas Veras morenas e bonitas, queria alguém autêntico, que fizesse a diferença não só de seus livros, mas sua própria. E, depois de boa meia hora catando milho, começou a contar uma história em terceira pessoa sobre si mesma. Era incrível como o ritmo de suas palavras fluía de sua cabeça, e assim, ela descobriu que sua melhor personagem era aquela que ninguém conhecia; imprevisível por natureza, cheia de defeitos e celulite e, ainda assim, inspirada naquilo que fazia. Sua protagonista, que já não era mais tão jovem quanto Vera, mas tão simpática quanto, era uma mulher da faixa dos 40 anos de idade, com leves problemas de saúde e um vício incindioso por cigarros de canela. Não, cigarros, não. Ella apagou o parágrafo que dizia sobre o vício da protagonista por cigarros, os abominava desde tenra idade. Encostou-se sobre a mesa apoiada no cotovelo e se pôs a pensar: o que gosta uma mulher de quarenta anos?

Soa irônico, mas era verdade: a própria Ella se encaminhava aos quarenta. Então, pensou, de que gosto eu? Parou por longos minutos numa reflexão mental admirável, sem saber o que responder a si mesma. – Deus, de que eu gosto? – por fim, ela cansou-se de pensar e deu-se por vencida, não tinha direito nem capacidade para escrever uma história. Havia viajado longas distâncias, atravessados desertos de sal e de areia em busca de emoções e experiências sobre as quais pudesse escrever, mas nada disso a marcara. Era só o seu emprego, e por mais divertido que um emprego possa ser, é sempre um emprego. Ergueu a cabeça para o teto sujo de mofo de seu apartamento no subúrbio. – DROGA, MANOEL! – uma gota caiu bem no meio de sua testa. Manoel era o vizinho de cima, simpático senhor de terceira idade.

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