sexta-feira, 1 de abril de 2011

Crônica de um Suicida

Suicídio. É uma palavra bastante forte, mas também, pudera! Ninguém acorda numa bela manhã, beija sua esposa e diz: 'Bela manhã para um suicídio, hein?', para haver um efetivo suicídio é preciso uma série de acontecimentos. Por vezes essa ritualização é que torna o final tão belo e anunciado, tipo uma sinfonia musical na qual cada um sabe o seu lugar.

Gosto dos suicidas. Eles todos têm a coragem de ir contra o ideal da divina beleza e continuidade. 'Só Deus pode tirar uma vida' eles dizem, mas, creio, esqueceram de avisar uns aos outros, com todos aqueles fatais acidentes rondando cada uma das atividades cotidianas. É nessas horas que tu serias o presidente da tua alma? Ora, como soas irônico e convincente, não? Estamos todos tão habituados a tudo que cerca desde pequenos que, por fim, sedemos a todas as tentativas de fuga e ruímos ao peso da 'ração'. MAS... não os suicidas. Eles todos conseguem se libertar desse peso imenso e sair debaixo do céu e poder dizer: 'Estou livre!'. Porém, quando o fazem, acabam descobrindo o enorme mistério da vida: a Morte. E tudo pelo simples fato de que estamos tão ligados à nossa mãe-protetora que ao nos separarmos, descobrimos que não há nada depois, além, e isso é o seu fim. Tenho certa pena de todos eles, que a Mãe lhes seja bondosa.

Hoje de madrugada, enquanto passeava por meus típicos - botecos, prostíbulos, becos escuros... -, deparei-me com uma cena engraçada. Qualquer mortal riria de mim, mas minha curiosidade sobre a mortalidade era maior: aproximei-me de um corpo na calçada e o olhei. Era um homem jovem, mas não parecia ligam nem para si nem para qualquer outra pessoa. Perguntou-me se tiinha uma dose. – Não. – lhe respondi e ele resmungou sobre as pessoas e virou-se no seu canto, letárgico pelas drogas.
A noite estava alta e o vento em breve iria varrer sua alma daquelas ruas. Quase pude sentir algo por sua figura esquelética, maltrapilha e viciada. Quase. Mas, afinal, ele não era um suicida, apesar dos pesares, então dei uma última olhada nele e em seus companheiros - um pedaço de manta e um par de botinas velhas - e me virei, porque não poderia - nem queria - fazer nada por ele. Seu passado não era suicida, ele era apenas outra vítima do sistema da ração.

Segui meu caminho, observando com cuidado cada um daqueles miseráveis jogados nas ruas. Eram todos iguais, todos tão iguais que por fim me cansei e olhei para cima, para meu manto divino. Deus, afinal, não era lá tão mau assim. Ele tinha criatividade, convenhamos, e muita paciência para lidar com todos os seus. Sorri com o pensamento e logo em seguida ouvi aquele barulho tão belo, aquele que marca o início de todos os fins. O do sangue pingando na água. Não demorei a ouvir, também, a música gótica ao fundo. A garota devia ter seus dezesseis anos de idade.
De certa forma, incomum. Pessoas de dezesseis anos querem me evitar, não me buscam. – Olá – disse enquanto olhava ao redor. Havia sangue em todos os locais, junto de cabelo e lixo. A mente da garota estava confusa, amedrontada, mas ela não se assustou ao me ver; também não respondeu ao meu cumprimento. – Você é bastante esperta, garota.

– Por quê? – Em geral os suicidas 'bons' são os recorrentes. Tanto por já nos conhecermos, tanto por já conhecerem o seu papel final na grande comédia da morte. Eles não têm perguntas de fato, apenas uma ou outra dúvida sobre aquilo a que chamamos de 'a Luz'.
– Você é bastante esperta, mas não é a única.

Suicidas são egocêntricos, porque pensam, invariavelmente, serem um peso para si e para a mortalidade. Querem livrar-se da dor que a vida trás, se acham nesse direito. Na verdade, penso, toda a mortalidade fica no ego, porque é ela que lhes impulsiona adiante, que os melhora. Mas também é fato, seu ego não é como suas células, que inflam e acabam explodindo cedo ou tarde.
Olhei longamente para a garota de frente ao espelho. Ela tinha longos cílios e era simétrica, mas tinha, também, um demônio interior que quebrava seus ossos para sair. Sequei as lágrimas que manchavam a maquiagem e lhe dei um beijo. Um suicida não quer morrer. Um suicida precisa morrer. Não era o caso da garota, nem nenhum outro.

Na saída tomei o CD que ela ouvia e levei-o comigo. Os jovens, afinal, ouviam muita porcaria atualmente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Críticas construtivas são sempre bem vindas, bem como sugestões e elogios.